Por Álvaro Bufarah (*)
O rádio que pensamos ontem – microfone, antena, fone de ouvido – está sendo redesenhado por bits, clicks e dados. O segundo trimestre de 2025 nos EUA ofereceu uma fotografia clara: a receita digital para emissoras de rádio não é mais “opção” ou “futuro”, é estratégia central. Grupos como iHeartMedia, Beasley Media Group, MediaCo Holding e Townsquare Media mostraram nos resultados financeiros que a parte digital da operação já sustenta – ou ao menos equilibra – a queda da transmissão tradicional. Para o Brasil, esse movimento serve de alerta e de roteiro.
A iHeartMedia relatou que a receita de áudio digital aumentou 13% e que os podcasts cresceram 28%, enquanto o rádio AM/FM tradicional caiu. A receita totalizou US$ 934 milhões, com o segmento digital atingindo US$ 324 milhões. Já a MediaCo viu sua receita digital subir de US$ 3,4 milhões para US$ 9,4 milhões e reduziu perdas de US$ 49,3 milhões para US$ 9,1 milhões em um ano. A Townsquare afirmou que mais da metade de sua receita em 2025 já vem do digital. Essas empresas movem o rádio para o eixo “digital-first”.
A proporção de gastos com publicidade local de rádio nos EUA que era digital (19% em 2022) está projetada para subir para 25,1% até final de 2025. Essa migração de verba mostra que os anunciantes não estão abandonando o rádio – estão exigindo que o rádio esteja no digital, no streaming, no podcast, no ecossistema online.
A receita digital permite modelos mais flexíveis: streaming ao vivo da emissora, inserções de anúncios no player, banners em apps, podcasts próprios, branded content, redes sociais monetizadas e até compra programática de mídia fora do inventário da estação. Emissoras menores, comuns no Brasil, geralmente trabalham com streaming simples + site + post patrocinado; os grandes grupos já oferecem pacotes 360°, com rádio, digital, social, CTV, programática.
Para quem produz rádio, a consequência é dupla: precisa manter a excelência da transmissão tradicional (porque o alcance ao vivo importa) e ao mesmo tempo investir em formatos digitais – podcast, streaming, app – com monetização e venda de inventário digital. Quem ignorar o digital “complementar” corre risco de ver a base de anunciantes migrar para canais que entregam dados, interação, segmentação.
No Brasil, a rádio ainda domina grandes audiências locais e a publicidade tradicional permanece relevante. Mas se os EUA já mostram o digital encurtando caminho, o Brasil tem vantagem: pode saltar etapas. Em vez de “apenas rádio com streaming”, pode imaginar “rádio + podcast + serviço de dados + publicidade digital regional”. A tecnologia e os modelos estão disponíveis – cabe à emissora local adotá-los.
É preciso coragem para rever modelos de venda, treinar equipes de comercialização, abraçar dados de audiência sob demanda, entender perfil da escuta digital, e vender como “plataforma de mídia” e não apenas “espaço no ar”. O ouvinte que ouvia no carro agora ouve no app, no celular, no smart speaker – e exige formatos curtos, personalização, interação.
Pense em uma estação comunitária de cidade média: o técnico liga o servidor, aciona o streaming, lança podcast semanal, oferece app de escuta e ativa banner digital no site. Um anunciante local compra spot no ar, streaming, publicação no Instagram da rádio e podcast patrocinado. A conta fecha. Antes a venda era “um spot às 8 h”; agora é “pacote digital + rádio + podcast + interatividade”. O microfone continua, mas o login, o click e o dado passam a contar.
A audiência, por sua vez, mudou: a pessoa não espera mais o horário da rádio; ela abre o app, escolhe episódio, volta episódio, comenta no chat, aumenta a velocidade, pula o bloco. O rádio não perdeu sentido – apenas se integrou ao mundo digital que já existe. E a receita do rádio sobrevive, cresce, se transforma – se souber acompanhar.
A revolução é silenciosa, sem antena pegando fogo, sem companhia de “mais ou menos audiência”. É na taxa de retenção, no app rodando em segundo plano, no podcast patrocinado por marca regional, no banner exibido enquanto a música toca. É no clique que escolhe e no dado que monitora. O rádio que escolhe não desaparecerá – se adaptar, prosperará.
Fontes:
- Radio Ink – “Digital se consolida como fonte estratégica de receita para as emissoras de rádio” (12 out. 2025)
- iHeartMedia – Relatório 2T2025 (US$ 324 mi de áudio digital; podcasts +28%)
- MediaCo Holding – Resultados 2T2025 (digital US$ 9,4 mi)
- Townsquare Media – Relatório 2T2025 (digital >50% da receita)
- eMarketer / Insider Intelligence – Previsão de publicidade no rádio local digital: 25,1% até 2025
Você pode ler e ouvir este e outros conteúdos na íntegra no RadioFrequencia, um blog que teve início como uma coluna semanal na newsletter Jornalistas&Cia para tratar sobre temas da rádio e mídia sonora. As entrevistas também podem ser ouvidas em formato de podcast neste link.

(*) Jornalista e professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e do Mackenzie, pesquisador do tema, integra um grupo criado pela Intercom com outros cem professores de várias universidades e regiões do País. Ao longo da carreira, dedicou quase duas décadas ao rádio, em emissoras como CBN, EBC e Globo.










