Por Álvaro Bufarah (*)
O dial já não é mais território apenas de DJs, notícias comunitárias e velhos jingles. É também campo de batalha − entre gigantes da tecnologia, reguladores estatais e as vozes que ainda tentam se manter vivas no ar.
Nos Estados Unidos, uma coalizão formada por organizações multiculturais − como a National Hispanic Foundation for the Arts, a MANA (A National Latina Organization), a National Urban League e a Hispanic Federation − resolveu subir o tom. Enviaram uma carta contundente à Federal Communications Commission (FCC) pedindo a revisão urgente das regras de propriedade de emissoras de rádio e televisão, que ainda se baseiam em modelos regulatórios da década de 1940. O argumento é direto: se nada mudar, as rádios e TVs locais correm risco de desaparecer diante da concorrência desleal das big techs, que operam sem amarras regulatórias e devoram audiência e verba publicitária como se estivessem sozinhas no jogo (FCC, 2025).
A carta, assinada por lideranças latinas e afro-americanas, afirma que a restrição que limita a cobertura nacional de redes de TV a 39% da população precisa ser revogada. Segundo os signatários, essa barreira “engessa” o crescimento das emissoras locais e dificulta a produção de conteúdos voltados à diversidade cultural. E vão além: alertam que a radiodifusão local é a última trincheira da pluralidade informativa. Sem ela, o ecossistema midiático perde o fio da comunidade.
Esse movimento ganha apoio institucional. Em março, 73 parlamentares norte-americanos, de diferentes partidos, enviaram uma carta semelhante à FCC, pedindo a revisão dos limites de propriedade e controle. No mesmo mês, a poderosa National Association of Broadcasters (NAB) entrou na justiça contra os regulamentos atuais, alegando que eles sufocam a competitividade das emissoras regionais.
Do lado de cá do continente, a situação não é menos complexa − apenas menos visível. O sistema brasileiro de radiodifusão, oficialmente dividido entre emissoras comerciais, educativas, públicas e comunitárias, também enfrenta o cerco de um ambiente digital assimétrico, onde plataformas como YouTube, Spotify e TikTok competem por atenção sem nenhuma das obrigações legais impostas às rádios tradicionais.
As emissoras comerciais, ainda majoritárias no País, enfrentam queda nas receitas publicitárias e têm buscado consolidação: grupos como Jovem Pan, Bandeirantes e Globo centralizam operações, reduzem praças locais e investem em formatos híbridos, como videocasts e transmissões em multiplataformas. Ainda assim, operam sob regras da Lei nº 4.117/1962 (Código Brasileiro de Telecomunicações), que impõe limites de outorgas e obrigações mínimas de conteúdo jornalístico local − obrigações que as big techs não são obrigadas a seguir.

As rádios educativas e públicas, como as vinculadas a universidades ou ao poder legislativo, sofrem com orçamentos reduzidos, falta de pessoal técnico e descontinuidade de políticas públicas. Emissoras como a Rádio MEC, no Rio de Janeiro, ou a Rádio Senado, em Brasília, resistem com qualidade, mas enfrentam dificuldades estruturais crônicas.
Já as rádios comunitárias, que somam mais de 4.800 outorgas no Brasil, operam com potência limitada (no máximo 25 watts) e só podem atingir um raio de 1 km, conforme estabelecido pela Lei nº 9.612/1998. Não podem ter fins lucrativos, recebem escasso apoio técnico e não têm permissão para publicidade comercial − apenas apoios culturais com restrições. Apesar disso, são essenciais em favelas, aldeias indígenas, áreas rurais e periferias, oferecendo programação local, notícias da comunidade e acesso à cultura.
E, como nos EUA, o campo regulatório nacional também é objeto de disputas: o PL 2630/2020, conhecido como “PL das Fake News”, prevê a regulamentação de plataformas digitais, o que, segundo algumas entidades, poderia abrir caminho para equilíbrio competitivo entre mídia tradicional e big techs. A Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) defende maior isonomia regulatória, enquanto entidades como a Amarc Brasil (associação de rádios comunitárias) pedem menos burocracia e mais apoio público para a comunicação popular (Abert, 2024).
Voltando aos EUA, a iniciativa dos grupos multiculturais é mais do que um apelo técnico − é uma chamada de socorro por representatividade e permanência. Em tempos de concentração de capital e desinformação galopante, perder as vozes locais é mais do que perder frequência no dial: é perder conexão com a realidade de milhões de cidadãos.
No Brasil, o desafio é semelhante, com o agravante da desigualdade regional, da limitação tecnológica e da ausência de uma política robusta de fortalecimento da mídia local. Entre satélites, apps e IA, o rádio continua pulsando. Mas precisa de espaço justo no espectro e no mercado para seguir sendo aquilo que sempre foi: uma das vozes mais confiáveis do Brasil profundo e do mundo invisível à mídia centralizada.
Fontes consultadas:
FCC – Federal Communications Commission. Media Ownership Rules Review 2025. https://www.fcc.gov/
NAB – National Association of Broadcasters. Press Releases and Legal Actions. https://www.nab.org/
Pew Research Center. Local News in America, 2024. https://www.pewresearch.org
CPB – Corporation for Public Broadcasting. Funding Report, 2024. https://www.cpb.org
Abert. Panorama da Radiodifusão Brasileira. 2024. https://www.abert.org.br
Amarc Brasil. Manifestações sobre o Marco Legal das Rádios Comunitárias. https://www.amarcbrasil.org
Ministério das Comunicações. Painel de Rádios, atualizado em abril de 2025. https://www.gov.br/mcom

Você pode ler e ouvir este e outros conteúdos na íntegra no RadioFrequencia, um blog que teve início como uma coluna semanal na newsletter Jornalistas&Cia para tratar sobre temas da rádio e mídia sonora. As entrevistas também podem ser ouvidas em formato de podcast neste link.
(*) Jornalista e professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e do Mackenzie, pesquisador do tema, integra um grupo criado pela Intercom com outros cem professores de várias universidades e regiões do País. Ao longo da carreira, dedicou quase duas décadas ao rádio, em emissoras como CBN, EBC e Globo.