Por Álvaro Bufarah (*)
O som voltou a ocupar o centro das atenções – mas com novas vozes, interfaces e estratégias. Este é o último texto do ano e acredito que devemos refletir sobre o que apresentamos neste espaço ao longo de 2025.
O rádio, o podcast, o streaming e as plataformas de voz vivem uma era de reconfiguração acelerada, em que a inteligência artificial, a conectividade e os novos hábitos de escuta remodelam não apenas o conteúdo, mas também a economia do áudio.
Ao longo dos últimos meses, diferentes relatórios e eventos internacionais mostraram que o áudio digital consolidou-se como a espinha dorsal da comunicação moderna, com o rádio reaprendendo a respirar dentro do ecossistema das plataformas.
Os relatórios recentes da Triton Digital, da Sounds Profitable, da Kantar IBOPE Media e da Inside Radio convergem em um diagnóstico: o áudio não apenas sobreviveu à transição digital – ele a lidera.
Nos Estados Unidos, 75% da população já consumiram um podcast e 55% o fazem mensalmente, enquanto o vídeo se torna parte integral da experiência sonora, com o YouTube consolidado como a principal plataforma de escuta. No Brasil, mais de 43% da população já ouve podcasts, e a diversidade demográfica e temática amplia o alcance do formato.

Mas a escuta não é mais estática. O áudio hoje circula em múltiplas superfícies – do rádio AM/FM ao Spotify, do celular às smart TVs, dos assistentes de voz aos óculos inteligentes. A experiência sonora passa a ser contextual, multiplataforma e conversacional.
O painel Avanços da IA no Rádio Brasileiro, realizado durante a Intercom 2025, marcou um ponto de inflexão simbólico.
Ferramentas como ChatGPT, ElevenLabs, Play.ht, Descript e MusicLM já integram a rotina de emissoras, produtoras e criadores independentes. Clonagem de voz, síntese neural, geração automática de roteiros e análise de sentimentos são agora parte do vocabulário produtivo.
O que antes parecia ficção – um estúdio operado por IA – virou produto comercial. Plataformas como Radio.Cloud, Enco.ai e Jutel mostraram no IBC 2025 que a automação total de uma emissora é uma realidade: jingles, boletins, locuções e até spots publicitários podem ser produzidos sem presença humana no estúdio.
Entretanto, a presença humana continua essencial. Como lembrou Carlos Aros, da Jovem Pan News, “a IA amplia as possibilidades, mas não substitui o olhar crítico e a curadoria editorial do jornalista”.
A ética, a transparência e a autoria permanecem como linhas mestras do rádio no século XXI.
Se a tecnologia mudou a forma de produzir, foi o mercado digital que garantiu a sustentabilidade.
Empresas como iHeartMedia, Beasley Media Group, MediaCo e Townsquare Media provaram que o futuro do rádio é “digital-first”:
- A iHeart teve crescimento de 13% em receita de áudio digital e 28% em podcasts;
- A Townsquare já gera 55% de sua receita total no digital;
- A MediaCo reduziu perdas e triplicou a receita online com canais FAST e CTV.
O mesmo caminho começa a se delinear no Brasil: emissoras passam a oferecer pacotes 360º, que combinam spots lineares, streaming, podcasts, redes sociais e mídia programática. O vendedor de rádio torna-se consultor de marketing digital; o estúdio se transforma em plataforma de conteúdo.
A monetização deixa de depender apenas da audiência: nasce da capacidade de integração, de leitura de dados e de entrega multiplataforma.

A integração ChatGPT + Spotify inaugurou a era dos aplicativos conversacionais de áudio, nos quais o ouvinte pede por voz e recebe playlists, podcasts e notícias personalizados.
Em paralelo, os óculos Ray-Ban Meta trouxeram o áudio de volta para o corpo – literalmente. Com controle por voz, condução óssea e conexão direta com o iHeartRadio, eles transformam o ato de ouvir em um gesto contínuo, sem telas, sem mãos, sem interrupção.
Esses dispositivos representam a próxima fronteira do rádio e do podcast: um meio de comunicação íntimo, móvel e invisível.
Ao mesmo tempo, a convergência entre rádio digital, TV conectada e streaming forma uma tríade que redefine o entretenimento e reposiciona os provedores regionais de internet (ISPs) como agentes do novo ecossistema midiático.
Plataformas como a Watch e a Awdio criam ambientes híbridos onde rádio, vídeo e dados convivem em harmonia, democratizando o acesso e oferecendo novas janelas de receita e distribuição local.
Em Amsterdã, o IBC 2025 mostrou o rádio do futuro em operação.
Consoles IP, automação em cloud, estúdios virtuais e IA embarcada compõem uma cadeia de produção mais leve, barata e globalizada. A lógica do “hardware” dá lugar à do “software”: a transmissão é apenas uma das camadas de um sistema que inclui análise de dados, curadoria automatizada e integração com redes de anúncios programáticos.
O desafio agora é equilibrar eficiência tecnológica com singularidade editorial – e evitar que a automação dilua a identidade sonora local.
O que todas essas transformações revelam é que o som vive um renascimento múltiplo.
O rádio não morreu; ele se espalhou – virou stream, podcast, audiocast, assistente de voz e wearable.
Os ouvintes não desapareceram; eles mudaram de lugar.
E a escuta, antes coletiva e ritualística, tornou-se pessoal, interativa e sob demanda.
A inteligência artificial é o motor técnico, mas o conteúdo continua sendo o coração.
O futuro do áudio não pertence às máquinas – pertence às histórias que sabemos contar com elas.
Fontes de pesquisa:
1) Podcasting, consumo e comportamento do ouvinte
- Sounds Profitable & Signal Hill Insights. The Podcast Landscape 2025.
- Edison Research. The Infinite Dial 2025.
- ZyDigital. “Podcasting em maturidade alcança público abrangente e amplia presença multiplataforma”.
- Backlinko. “Podcast Statistics You Need to Know in 2025”.
- Teleprompter. Global Podcast Statistics 2025.
- Insider Intelligence / eMarketer. Podcast Listener Forecast 2021-2025.
- Portal dos Jornalistas. Matérias da série 100 anos de rádio no Brasil – Podcasting.
2) Mercado publicitário e modelo de negócios do áudio digital
- IAB. U.S. Podcast Advertising Revenue Study 2024.
- Wall Street Journal. Projeções de crescimento publicitário global com uso de IA (2024-2026).
- WPP / GroupM. Global Advertising Forecast 2024-2026.
- Inside Radio & Radio Ink. Relatórios sobre crescimento do digital e quedas no AM/FM.
- Relatórios financeiros Q2 2025:
o iHeartMedia
o MediaCo Holding
o Beasley Media Group
o Townsquare Media
3) Rádio, streaming e convergência com TV conectada / ISPs
- SET Portal. “Watch Brasil lança Awdio”.
- Watch Brasil – páginas institucionais e press-releases sobre hub de conteúdo.
- Kantar IBOPE Media. Inside Audio 2025 (dados do Brasil).
4) Smart glasses, IA embarcada e novos ambientes de escuta
- Meta. Ray-Ban Meta AI Glasses – página oficial.
- iHeartRadio. Documentação sobre integração com Ray-Ban Meta.
- The Verge. Artigos sobre novos recursos de IA, tradução e captação de áudio dos smart glasses.
- Tom’s Guide. Relatórios sobre privacidade e experiência de uso.
5) Tecnologia de rádio, IA e automação
- IBC (International Broadcasting Convention) 2025 – releases oficiais e reportagens da RedTech e Radio World.
- Catálogo de lançamentos 2025: AEQ, Angry Audio, Axel Tech, Enco, Telos Alliance, Orban, Lawo, Radio.Cloud, Wheatstone, Xperi e outros.

Você pode ler e ouvir este e outros conteúdos na íntegra no RadioFrequencia, um blog que teve início como uma coluna semanal na newsletter Jornalistas&Cia para tratar sobre temas da rádio e mídia sonora. As entrevistas também podem ser ouvidas em formato de podcast neste link.
(*) Jornalista e professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e do Mackenzie, pesquisador do tema, integra um grupo criado pela Intercom com outros cem professores de várias universidades e regiões do País. Ao longo da carreira, dedicou quase duas décadas ao rádio, em emissoras como CBN, EBC e Globo.










