Por Assis Ângelo
Neste mundo velho sem porteira todos influenciam todos. Quando todos têm o que dizer, pra lá ou pra cá.
Inteligência não é produto.
No campo da filosofia, Sócrates influenciou Platão, que influenciou Aristóteles, que influenciou…
O francês René Descartes (1596-1650) estudou filosofia e matemática. Como Newton, tinha também paixão pela Ciência.
Isaac Newton (1643-1727) foi aquele cara que tentou descobrir e provar que a luz saía dos olhos, da retina, ao contrário do que pensavam os gregos. Pra isso, chegou a furar seus olhos…
Em 1637, Descartes publicou Discurso do Método. Nesse livro, definiu com primor a razão do ser em movimento na vida. Está lá: “Penso, logo existo”.
A isso chamou-se racionalismo. Quer dizer: a razão antes de qualquer compreensão.
Claro que Descartes leu os gregos, pois não à toa cravou com simplicidade a frase que nos faz pensar até hoje: “Viver sem filosofar é o que se chama ter os olhos fechados sem nunca os haver tentado abrir”.
E nesse mundo velho sem porteira quem não filosofa, hein?
Muita gente deve saber, e se não sabe fica sabendo agora, que o mineiro João Guimarães Rosa falava bem e muito bem umas 20 línguas, incluindo inglês, francês, italiano, espanhol, russo, árabe, húngaro, chinês, japonês e alemão.

Entre os autores alemães, Rosa apreciava e muito Schopenhauer e Nietzsche. Além desses dois, que ele cita aqui e ali em livros, gostava também de Franz Kafka (1883-1924).
De Kafka, Rosa colheu como fruto o fantástico permeado de um humor irretocável. Só dele.
Como se seguisse a dica de viver filosofando, o mestre de Minas faz isso em todos os seus contos e romances. Quer ver?
“As pessoas não morrem, ficam encantadas”.
“Viver é muito perigoso”.
“Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura”.
“Felicidade se acha é em horinha de descuido”.
“Metafísica: é um cego, com olhos vendados, num quarto escuro, à procura de um gato preto que não existe”.
O nosso Rosa tinha óculos com lentes dessa grossura. Ele e tantos outros escritores e poetas como Manuel Bandeira (1886-1968) e Carlos Drumond de Andrade (1902-1987).
Não são poucos os cegos que Rosa põe pra andar nas páginas dos seus livros.
No conto Um Moço Muito Branco, aparecem o cego Nicolau e um padre de nome Baião. Esses dois personagens, como o moço branco, dão vida ao povoado de Serro Frio.
Em Grande Sertão, o cego é Borromeu. A propósito, Bandeira enviou uma curiosa e engraçada carta a Guimarães Rosa, datada de 13 de março de 1957. Nessa carta, são elogiados o autor e personagens lá contidos, como o cego e o seu guia, Guirigó.
João Guimarães Rosa era uma pessoa muito antenada. Anotava tudo o que lhe interessava.
Os filósofos da predileção de Rosa eram ateus. Ele, não.
Manuel Bandeira também não era de frequentar igreja, mas era também um cara muito curioso. Lia muito. Entre as leituras de seu interesse, a história antiga.
Era menino ainda Bandeira quando a história de Pasárgada lhe chamou a atenção. Atenção essa que resultou, em 1930, no poema famoso Vou-me embora pra Pasárgada:

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcaloide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
− Lá sou amigo do rei −
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Passárgada foi a primeira capital do Império Persa.
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