Por Assis Ângelo
De poucos personagens também, na verdade apenas dois, é a peça Amor por Anexins, do maranhense Artur de Azevedo (1855-1908).
Na referida peça, o autor põe em cena uma jovem e pobre viúva e um conquistador barato, velhote e feio. A seu favor, algumas patacas.
Amor por Anexins é uma curiosa e engraçada farsa. O casal em cena não tem problemas de visão, mas o curioso é que Azevedo usa e abusa de ditos populares. Exemplo: “Quem o feio ama bonito lhe parece”; “Quando a esmola é muita, o pobre desconfia”; “O futuro a Deus pertence”; “O pior cego é aquele que não quer ver”.
A propósito e curiosamente, Luis Fernando Veríssimo tem publicada a crônica Incidente na Casa do Ferreiro. Nessa crônica, o autor desenvolve um emaranhado diálogo com o personagem-título e um cego. É hilariante.
“Ferreiro − Nem só de pão vive o homem.
Filho do enforcado − Comigo é pão, pão, queijo, queijo.
Ferreiro − Um sanduíche! Você está com a faca e o queijo na mão. Cuidado.
Filho do enforcado − Por quê?
Ferreiro − É uma faca de dois gumes.
(Entra o cego)
Cego − Eu não quero ver! Eu não quero ver!
Ferreiro − Tirem esse cego daqui!
(Entra o guarda com o mentiroso)
Guarda (ofegante) − Peguei o mentiroso, mas o coxo fugiu.
Cego − Eu não quer ver!
(Entra o vendedor de pombas com uma pomba na mão e duas voando)
Filho do enforcado (interessado) − Quanto cada pomba?
Vendedor de pombas − Esta na mão é 50. As duas voando eu faço por 60 o par.
Cego (caminhando na direção do vendedor de pombas) − Não me mostra que eu não quero ver…”
Na literatura nacional e estrangeira nos deparamos com todo tipo de personagens cegas de um ou dos dois olhos, míopes, de baixa ou curta visão.
No conto Brincar com Fogo (1875), o autor Machado de Assis põe em movimento duas assanhadíssimas donzelas chamadas uma de Mariquinhas e a outra, Lúcia.
Mariquinhas e Lúcia moram perto. Uma na rua do Príncipe e a outra na rua da Princesa. Estão sempre juntas, debruçadas na janela, passeando os olhos nos rapazes que vão e vêm. Num desses vaivéns, uma das jovens abre largo sorriso dizendo e apontando o dedo: “Esse aí é meu!”.
Enquanto uma diz que o jovem que vai passando ali com seus 25 ou 26 anos de idade será seu, a outra jovenzinha toda alegre diz em tom de provocação: “Não, esse aí é meu!”.
A essa altura, o mancebo já identificara as duas moçoilas. Sem se conter, ele saca uma pequena luneta e foca as duas, rindo. Como se não bastasse, todo engraçadinho, faz piruetas com a bengalinha da moda que carregava consigo. Tudo pra chamar atenção. Elas riem e uma diz à outra: “Ele tem vista curta”.
Bom, a história não termina como as duas moçoilas queriam.
Nome do moço: João dos Passos.
Essa historinha criada por Machado faz-me lembrar de outra historinha pra lá de legal, bonita. Refiro-me ao conto A Luneta Mágica, do excepcional escritor e médico Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882).
Macedo põe na história que criou os personagens Simplício e seu irmão Américo; a tia Domingas; a jovem bem aparentada Anica; Reis, dono do armazém, e Armênio.
Simplício é quase cego e é ele que aparece como narrador do conto, em primeira pessoa:
“Chamo-me Simplício e tenho condições naturais ainda mais tristes do que o meu nome.
Nasci sob a influência de uma estrela maligna, nasci marcado com o selo do infortúnio.
Sou míope; pior do que isso, duplamente míope, míope física e moralmente.
Miopia física: a duas polegadas de distância dos olhos não distingo um girassol de uma violeta.
E por isso ando na cidade e não vejo as casas.
Miopia moral: sou sempre escravo das ideias dos outros; porque nunca pude ajustar duas ideias minhas…”
Bom, voltemos a Machado.
Noutro conto, dentre tantos que escreveu, o velho Machado põe em pauta um personagem que vivia um tanto fora do mundo. Era muito reservado e pouquíssimo saía de casa, fosse pra que fosse. Morava num assobradado, cheio de livros e tranqueiras diversas. Num dia morreu deixando para um sobrinho, Mendonça, uma carta que dava conta dos bens que tinha. Mas esses bens só poderiam ser disponibilizados depois de determinado período. Chegado o dia previsto, Mendonça chama um amigo para acompanhá-lo numa visita de reconhecimento ao imóvel onde morara o tio.
A história é curiosíssima, cheia de mistérios. Tudo é revistado. Os dois, não custa dizer, já varavam a madrugada. A luz vinha das velas que portavam. De repente, o primeiro susto: um par de olhos enormes fitavam os dois. Mendonça deu um pulo pra trás, mas aquietou-se ao ouvir do amigo que aqueles olhos enormes, como bolas de fogo, eram de um gato que, assustado, deu no pé sem fazer barulho.
O nome dessa história: Os Óculos de Pedro Antão.
E pra que não fiquem mais curiosos do que estão, meus amigos e amigas, acrescento: os óculos do título pertenciam ao finado, que era míope e coisa e tal.
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