Por Álvaro Bufarah (*)
Acordar com o som de um “bom dia” sintetizado, pedir que a luz se apague com um sussurro ou escolher a trilha sonora da manhã com um simples comando de voz deixou de ser roteiro de ficção científica. É realidade consolidada para milhões de lares ao redor do mundo. A cada ano, os smart speakers − ou alto-falantes inteligentes − ganham mais espaço, mais funções e, sobretudo, mais vozes com que dialogar.
É o que revela a mais recente edição da pesquisa global The Infinite Dial, da Edison Research, considerada uma das fontes mais confiáveis no rastreamento do consumo de conteúdo de áudio no mundo. Desde 1998, a pesquisa traça um retrato minucioso da evolução da escuta − e, mais recentemente, da interação vocal − em diversos mercados.
Nos Estados Unidos, onde a adoção da tecnologia começou com força ainda em 2016, com o lançamento do Amazon Echo e do Google Home, a presença dos smart speakers atingiu a marca de 35% dos domicílios. É um patamar que, embora significativo, parece ter se estabilizado nos últimos dois anos − sinal de maturidade de mercado, segundo analistas como Tom Webster, ex-vice-presidente da Edison Research. Para ele, “o que antes era curiosidade virou hábito, e agora, infraestrutura”.
Esse dado representa não apenas a presença do dispositivo, mas um novo comportamento: o uso rotineiro da voz como interface de controle de mídia, compras e automação residencial. Segundo o relatório Voicebot 2024, cerca de 70% dos usuários americanos utilizam seus smart speakers para ouvir música, 60% para verificar a previsão do tempo e 45% para ouvir notícias − dados que colocam o áudio como eixo central dessa revolução silenciosa.
Se nos EUA o uso se estabiliza, em mercados como o Reino Unido e a Austrália os números apontam para crescimento constante. Na terra da rainha, os smart speakers já estão presentes em 45% dos lares − o maior índice entre os países pesquisados. Especialistas creditam esse avanço à alta penetração da internet de banda larga e à familiaridade da população britânica com rádios digitais, podcasts e tecnologias hands-free.
Na Austrália, a adoção também segue firme: 40% da população possui um smart speaker, número impulsionado por políticas de incentivo à digitalização e à popularização de dispositivos com comando de voz embarcado, como TVs e centrais de ar-condicionado integradas.
De acordo com a especialista Amanda Lotz, da Queensland University of Technology, “o áudio digital encontrou na casa australiana um ecossistema ideal para florescer: conectividade, cultura sonora e adaptação tecnológica”.
Na Nova Zelândia, o cenário é diferente. A pesquisa aponta que a posse de smart speakers permanece estagnada em 22% da população, índice praticamente idêntico ao registrado nos últimos três anos. Entre os motivos estão o alto custo relativo dos dispositivos, o menor apelo dos conteúdos locais integrados aos assistentes de voz e preocupações crescentes com privacidade digital.

Um estudo conduzido pela Victoria University of Wellington revelou que 46% dos neozelandeses têm receio de que smart speakers escutem conversas privadas sem autorização − o que pode estar freando a adoção, especialmente entre idosos e usuários com maior preocupação com dados pessoais.
Mesmo com ritmos distintos, os dados apontam para uma constatação global: o áudio é a interface dominante da nova era da computação doméstica. O que começou com o teclado, passou pelo toque e agora se consolida na voz. Os smart speakers, nesse cenário, são mais do que gadgets: são pontes sensíveis entre os mundos digitais e físicos.
A aposta das big techs acompanha essa virada. A Amazon já testa uma versão do Alexa baseada em IA generativa. O Google Assistant está sendo remodelado para integrar-se aos serviços do Gemini, e a Apple, ainda discreta no mercado, trabalha para integrar o Siri com a suíte Apple Intelligence.
O Brasil ainda não é contemplado oficialmente pelo Infinite Dial − mas não está fora da tendência. Segundo pesquisa da Kantar IBOPE Media, 17% dos brasileiros já utilizaram smart speakers em 2024, número que cresce especialmente nas capitais. A chegada de versões em português de dispositivos como o Amazon Echo e o Nest Mini já impulsiona um novo ciclo de interação vocal no País, que pode seguir a curva de adoção dos mercados mais desenvolvidos.
Com smart speakers, a casa deixa de ser muda. Ela escuta, responde, aprende. Sugere a trilha sonora ideal, lembra os compromissos do dia, avisa sobre o clima e até ensina a fazer um risoto − tudo por voz. Com a aceleração da inteligência artificial, esses dispositivos ganham ainda mais autonomia, adaptando-se aos hábitos do usuário com precisão algorítmica.
Mais do que utilidade, trata-se de uma nova forma de presença digital, em que o som ocupa o centro da experiência tecnológica. O desafio agora é garantir que essa escuta seja também ética, segura e inclusiva.
Fontes consultadas:
- Edison Research. The Infinite Dial 2025 – EUA, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia
- Voicebot.ai. Smart Speaker Usage Trends, 2024
- Lotz, Amanda. “Audio Cultures in the Age of Smart Devices”, QUT Media Research, 2024
- Victoria University of Wellington. Digital Privacy and Smart Speaker Adoption in New Zealand, 2024
- Kantar IBOPE Media. Inside Radio Brasil – Tendências de Áudio Digital, 2024
- Dines Neto, Alberto. “A voz como mediação digital no Brasil contemporâneo”, UFBA, 2023

Você pode ler e ouvir este e outros conteúdos na íntegra no RadioFrequencia, um blog que teve início como uma coluna semanal na newsletter Jornalistas&Cia para tratar sobre temas da rádio e mídia sonora. As entrevistas também podem ser ouvidas em formato de podcast neste link.
(*) Jornalista e professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e do Mackenzie, pesquisador do tema, integra um grupo criado pela Intercom com outros cem professores de várias universidades e regiões do País. Ao longo da carreira, dedicou quase duas décadas ao rádio, em emissoras como CBN, EBC e Globo.



















