Por Assis Ângelo
Na verdade, eu acho os gatos um barato.
Na verdade, eu acho também que os gatos são boa gente. Que o diga o argentino Jorge Luis Borges (1899-1986). Em 1972, Borges escreveu um poema sobre bichanos a que intitulou A um gato. Este:
Os espelhos não são mais silenciosos
Nem mais furtiva a aurora aventureira;
Tu és, sob o luar, essa pantera,
Que só vemos de longe, receosos.
Por obra indecifrável de um decreto
Divino, buscamos-te inutilmente;
Mais remoto que o Ganges e o poente,
É teu o isolamento mais secreto
Teu dorso condescende com a morosa
Carícia de minha mão. Sem um ruído,
Da eternidade que ora é olvido,
Aceitaste o amor dessa mão receosa.
Em outro tempo estás. Tu és o dono
De um espaço cerrado como um sonho.
Julio Cortázar (1914-1984) também era um cara que não só defendia, mas amava os gatos como a si próprio. Sobre bichanos, ele escreveu:
“Amar as pessoas como se ama um gato, com seu caráter e independência, sem tentar domesticá-lo, sem tentar mudá-lo, deixando-o vir quando quiser, sendo feliz com sua felicidade.”

E não fica por aí, nem fica por aqui.
O tema é bom e vale reflexão.
Os gatos têm uns olhos hipnotizadores deste tamanho!
Nós, humanos, ficamos também com os olhos deste tamanhão quando nos surpreendemos diante de ocorrências incomuns.
Ver um gato cego é difícil, mas difícil não é nos vermos cegos. Seja pelos olhos, seja pelo raciocínio.
No dia a dia, desde sempre, experiências várias resumiram-se aqui e alhures em frases metafóricas para se referirem a determinadas situações. Do tipo: O amor é cego; Só não vê quem não quer ver; Em terra de cego…
Dentre todos os bichos domésticos ou silvestres, como se queira, os gatos são os mais frequentes nas páginas literárias sejam de que lugar for.
O cachorro, também. Mas o cachorro é mais presente na música popular.
Há um conto popular africano lembrado pelo jornalista e escritor Mia Couto.
Couto lembra de um causo intitulado O Cego e o Caçador.
No causo contado, uma jovem compartilha uma casinha com o pai que é cego. Ele sem mulher, e ela, solteira.

Um dia, um caçador das redondezas se engraça da jovem e com ela passa a conviver ao lado do pai.
O caçador é experiente, mas há um período em que ele não consegue nada de caça. A fome se aproxima e o pai da jovem pede ao caçador que o leve junto para caçar. O caçador, arrogante, diz que não, porque ele é cego e não serve pra nada.
As dificuldades continuam sem que o caçador traga caça pra casa.
A situação vai piorando e o caçador finda por atender ao pedido do velho cego, levando-o consigo a uma caçada.
No decorrer da história, o velho senhor demonstra qualidades inesperadas, insuspeitas para quem não vê com os olhos.
Perguntado por que agia com tanta desenvoltura, o cego respondeu: “Eu vejo com os ouvidos”.
Como se sabe, gato é doido por rato.
Em 1950, Aghata Christie (1890-1976) escreveu um texto que marcou longamente a literatura de mistérios. Esse texto, intitulado Os Três Ratos Cegos, ganhou versões no cinema, na televisão e até no teatro. É de poucos personagens, porém marcantes. E por enquanto mais não digo.

Digo porém da tristeza que tomou conta do Brasil bonito, sensível, solidário. Seguinte: na madrugada do dia 30 de agosto de 2025 morreu em Porto Alegre o jornalista, contista e romancista Luis Fernando Verissimo, 88.
Luis era filho de Érico, também grande escritor, que nos legou verdadeiras pérolas literárias.
Luis Fernando começou a escrever com 30 anos de idade. Deixou uns 70 livros e muitos textos. O último, inacabado, era para ser publicado no jornal carioca O Globo. Escreveu sobre tudo ou quase tudo, incluindo as crônicas O Cego e o Publicitário e Incidente na Casa do Ferreiro. Claro, como toda crônica, nessas duas passeiam poucos personagens.
Voltarei ao assunto.


















