Por Álvaro Bufarah (*)
Quem cresceu trocando fitas-cassete, empilhando CDs ou vasculhando sebos por vinis importados talvez jamais imaginasse que, em 2025, o áudio passaria a ser algo intangível − um fluxo digital acessado por senha, não mais por prateleira. O modelo de consumo mudou e, com ele, também se transformaram os negócios. A era da posse deu lugar à era do acesso. O streaming por assinatura, hoje, é o formato hegemônico de consumo de música, rádio e audiolivros.
Essa mudança estrutural é mapeada com precisão pela pesquisa Share of Ear, da Edison Research, uma das principais referências globais na medição do consumo de áudio. Segundo dados mais recentes, referentes ao primeiro trimestre de 2025, mais da metade dos americanos com 13 anos ou mais já pagam por pelo menos um serviço de áudio − uma métrica reveladora da consolidação de um novo paradigma na indústria sonora.
O crescimento dos serviços de assinatura acompanha uma lógica mais ampla da chamada economia do compartilhamento. Em vez de comprar um CD, um disco ou um livro narrado, o consumidor paga por uma experiência contínua, personalizável e multiplataforma. Apple Music, Spotify, YouTube Music, Audible, SiriusXM e tantos outros players oferecem catálogos com milhões de títulos − mas nenhum pertence de fato ao usuário.

Para Tom Webster, analista de mídia e cofundador da Sounds Profitable, “essa transição é mais do que econômica − é cultural. As pessoas querem praticidade, atualizações constantes e integração com seu estilo de vida. A posse virou um fardo; o acesso, uma liberdade”.
A pesquisa da Edison mostra que, apesar de o total de assinantes ter se mantido relativamente estável nos últimos dois anos − oscilando em torno dos 50% da população americana −, há transformações sutis, porém significativas. Em 2022, 13% dos ouvintes pagavam por mais de dois serviços de áudio. Em 2025, esse índice caiu para 6%. Em contrapartida, os que mantêm apenas uma assinatura subiram de 28% para 35% no mesmo período.
Ou seja, os ouvintes continuam dispostos a pagar − mas estão racionalizando suas escolhas. Analistas interpretam isso como o início de uma fase de shakeout: um termo do jargão econômico que define o momento de consolidação em que empresas menos competitivas saem do mercado, enquanto os líderes se fortalecem.
Os líderes desse novo cenário são conhecidos: Spotify domina o streaming musical, Audible é soberana nos audiobooks, e Apple Music tenta manter sua fatia de mercado entre usuários do ecossistema iOS. Além disso, rádios por assinatura como SiriusXM ampliam suas ofertas, enquanto plataformas menores enfrentam dificuldades para manter seus catálogos e usuários.
Com os consumidores optando por menos serviços, os gigantes do setor se consolidam ainda mais. Segundo o relatório MIDiA Research Audio Trends 2025, os cinco maiores serviços do mundo já detêm mais de 85% da base pagante global, cenário que levanta preocupações sobre concentração de mercado e limitações de diversidade cultural.
A retração no número de múltiplas assinaturas também é sintoma da conjuntura econômica. Com a inflação elevada e os juros ainda em patamares altos nos Estados Unidos, os consumidores estão fazendo escolhas mais criteriosas. Muitos cortam gastos supérfluos e concentram seus investimentos em plataformas que oferecem maior valor agregado − seja por curadoria, usabilidade, conteúdo exclusivo ou integração com outros serviços (como podcasts ou vídeo).
A professora Megan Paquette, da University of Southern California, observa que “em tempos de incerteza econômica, os consumidores reavaliam sua cesta de serviços digitais, priorizando qualidade e utilidade. O áudio, por ser emocional e diário, ainda ocupa espaço importante, mas não imune a cortes”.
Ainda que o estudo seja norte-americano, os ecos chegam ao Brasil com força. Segundo dados do Data Reportal 2024, cerca de 38% dos brasileiros com acesso à internet já pagavam por serviços de música ou audiolivros − número que deve crescer nos próximos anos, especialmente nas classes B e C. O Spotify lidera com folga, mas Amazon Music, Deezer e YouTube Music mantêm nichos relevantes, enquanto startups locais tentam inovar com ofertas regionalizadas.
No campo dos audiobooks, iniciativas como Ubook, Tocalivros e os catálogos em português da Audible crescem lentamente, enfrentando ainda barreiras de preço, letramento digital e escassez de títulos nacionais.

O momento vivido pelos serviços de áudio por assinatura lembra o que o cinema viveu com os streamings de vídeo: uma explosão inicial de ofertas, seguida por uma onda de concentração e especialização. Quem vence essa corrida é quem oferece mais do que catálogo − oferece contexto, inteligência algorítmica, originalidade e experiência imersiva.
A consolidação do setor parece, assim, um processo inevitável. O desafio está em equilibrar inovação com diversidade, escala com personalização, e sobretudo, negócios com cultura sonora.
Fontes consultadas:
- Edison Research. Share of Ear Report – Q1 2025
- Webster, Tom. “The Economics of Streaming Audio”, Sounds Profitable, 2024
- MIDiA Research. Audio Streaming Trends Global 2025
- Data Reportal. Digital 2024: Brazil
- Paquette, Megan. “Digital Consumer Behavior in Recession Contexts”, USC Annenberg School, 2024

Você pode ler e ouvir este e outros conteúdos na íntegra no RadioFrequencia, um blog que teve início como uma coluna semanal na newsletter Jornalistas&Cia para tratar sobre temas da rádio e mídia sonora. As entrevistas também podem ser ouvidas em formato de podcast neste link.
(*) Jornalista e professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e do Mackenzie, pesquisador do tema, integra um grupo criado pela Intercom com outros cem professores de várias universidades e regiões do País. Ao longo da carreira, dedicou quase duas décadas ao rádio, em emissoras como CBN, EBC e Globo.



















