Por Assis Ângelo
Antes de os portugueses aportarem na nossa costa baiana, habitavam nossas matas, nossas terras, muito mais de cinco milhões de indígenas. A esse número também chegaram africanos e africanas trazidos à força para cuidar dos interesses dos ricos e poderosos aboletados na terra brasilis. Sim, essa mesma terra em que vivemos em nome de Deus e da paz.
O escriba Pero Vaz de Caminha, integrante da frota cabralina, enviou carta ao rei D. Manuel I dizendo das maravilhas que os seus olhos vislumbravam. Referindo-se ao Brasil, escreveu: “…querendo-a [a terra] aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem”.
Tivemos, entre tantos, um escritor cearense da mais alta inspiração: José Martiniano de Alencar (1829-1877).
Alencar é considerado o pai da literatura brasileira. É considerado também o principal expoente do indianismo.
Sobre a temática indianista, José de Alencar escreveu o clássico O Guarani (1857), seguido de Iracema (1865), “a virgem dos lábios de mel”, e Ubirajara (1874).
No romance Ubirajara, o mestre cearense mostra quão valente é o personagem que dá título ao livro. Em luta com uma centena de indígenas de uma tribo inimiga, o herói de Alencar acaba com todos e ganha como prêmio Araci, a filha do cacique. Antes, o imbatível guerreiro vencera e cegara Pojucã, numa briga à toa.
As histórias do Brasil não são poucas e não são poucas as histórias criadas em prosa e verso por nossos intelectuais.
As histórias verdadeiras e inventadas no nosso Patropi ocorreram e ocorrem todos os dias, independentemente do mês.
O bom e velho Machado de Assis falou nos seus textos de tudo ou quase tudo, incluindo temas políticos e religiosos.
Em 1893, Machado escreveu e publicou na coluna A Semana, do jornal Gazeta de Notícias, um dos seus contos mais famosos: Missa do Galo, cujo enredo conta com um jovem chamado Nogueira e o amigo Menezes, casado em segunda núpcias com Conceição.

Nogueira tinha 17 anos e Conceição, 30.
O mocetão Nogueira achava-se hospedado na casa de Menezes. Só que Menezes trabalhava a semana inteira e nos fins de semana ia encontrar-se com uma amante. Todos em casa sabiam disso: dona Inácia, mãe de Conceição, dois escravos e a própria Conceição, que achava natural o que o maridão fazia.
A história desenvolve-se numa noite de Natal e entre Nogueira e Conceição rola um clima…
Machado de Assis escreveu em gêneros diversos incluindo romances, contos e poemas, além de peças para teatro e crônicas para jornais e revistas do seu tempo. Aliás, seu primeiro texto publicado num jornal foi um poema. Tinha 14 anos. Com o passar dos anos, ele tornou público o Soneto de Natal. Este:
Um homem – era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno –,
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,
Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.
Escolheu o soneto… A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.
E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
“Mudaria o Natal ou mudei eu?”
E por falar em soneto, é do Brasil o autor até agora com o maior número de sonetos escritos. São milhares. Seu nome? Glauco Mattoso, como todo mundo o conhece.
Glauco, de batismo Pedro José Ferreira da Silva, tem publicados em papel e no formato de PDF pelo menos 200 livros. É um tarado. Escreve todos os dias, incluindo feriados, sábados e domingos. É daqueles poetas que não vai dormir com a garganta apertada. Isto é: diz sempre o que quer, no papel e na fala ouvida.
Lá pelos anos de 1970, Glauco já era chamado de poeta maldito. Aliás, essa expressão foi cunhada por Alfred de Vigny (1797-1863), francês, de profissão dramaturgo e poeta. Depois, essa expressão foi popularizada por Paul Verlaine, ao publicar a seleta Les Poètes Maudits (1884).
O detalhe nessa história toda é que Glauco perdeu completamente a visão em 1995, vitimado que foi pelo glaucoma. E para não sofrer demais além da conta, o poeta reinventou-se de todas as maneiras. Trocou até de nome.
No Brasil, atualmente, há pelo menos 1,7 milhão de pessoas portadoras de glaucoma.
Bom, em vez da bandeira de Pedro I, Independência ou Morte, a bandeira de Glauco Mattoso sempre foi Independência e Arte!
Sobre tudo e também sobre o Natal, Glauco escreveu o soneto que aqui segue:

SONETO 925 – NATAL
Nasci glaucomatoso, não poeta.
Poeta me tornei pela revolta
Que contra o mundo a língua suja solta
E a vida como báratro interpreta.
Bastardo como bardo, minha meta
Jamais foi ao guru servir de escolta
Nem crer que do Messias venha a volta,
Mas sim invectivar tudo o que veta.
Compenso o que no abuso se me impôs
(pedal humilhação) com meu fetiche
lambendo, por debaixo, os pés do algoz
Mas não compenso, nem que o gozo esguiche,
Masoca, esta cegueira, e meus pornôs
Poemas de Bocage são pastiche.
A partir da próxima semana publicaremos neste espaço, inspirado bate-papo que Glauco e eu tivemos. Aguarde, pois valerá a pena.
Ah! Sim: ia me esquecendo de dizer que Glauco é leitor contumaz de Sade, Masoch, Rimbaud e autodeclarado herdeiro intelectual do baiano Gregório de Matos e Guerra, o Boca do Inferno.
























