Por Álvaro Bufarah (*)
Onde os racks antes ocupavam salas técnicas agora são apenas memórias de um padrão que se despede. No IBC 2025, o encontro global dos atores de mídia, entretenimento e tecnologia, registraram-se 43 858 visitantes de mais de 170 países, reunidos com 1.300 expositores e centenas de sessões que se dedicaram a revelar o futuro da transmissão. O que sobressaiu, contudo, não foi apenas o tamanho da convenção, mas a ênfase: nuvem, virtualização e inteligência artificial tomaram o palco como vetores de transformação concreta – não apenas promessas.

Para o rádio – mídia que desde o início viveu de ondas e microfones – essa transformação ganha contornos de revolução silenciosa. Equipamentos físicos de estúdio, consoles de mixagem, racks de hardware, enlaces dedicados – tudo isso passa a poder ser entregue “como código”, como serviço em nuvem, como plataforma distribuída. Um artigo de apoio aponta que o custo de infraestrutura caiu entre 50% e 70% para emissoras que adotaram automação em cloud, e o tempo de entrada de novos serviços reduziu significativamente. Esse cenário significa que até uma emissora em cidade menor, com poucos recursos, pode competir em qualidade e flexibilidade com redes maiores – bastam conexão, automação e um bom conteúdo.
As fabricantes não perdem tempo. No IBC foram apresentados consoles como o AEQ Capitol IP Plus, o Myriad Cloud da Broadcast Radio (com operação nativa na Microsoft Azure), o axia Altus SE Virtual Radio Mixer da Telos Alliance, e soluções para transcrição automatizada, roteirização híbrida e playout remoto. Essas ferramentas sugerem que “estação de rádio” deixa de ser um prédio com antena e vira “fluxo operativo” em múltiplos locais, dispositivos ou ambientes de estúdio remoto. O benefício: mobilidade, escalabilidade e redução de barreiras geográficas. Um repórter pode trabalhar de qualquer lugar – o que antes exigia sala técnica, agora requer apenas uma conexão de internet.
Mas não se trata apenas de economia ou eficiência. Trata-se de contexto e audiência. A mídia sonora está cada vez mais on-demand, multiplataforma, distribuída. Essa nova infraestrutura permite experimentações com vozes geradas por IA, campanhas hiperlocalizadas, estações automatizadas que operam 24/7, e integração com streaming, podcast, rádio tradicional e vídeo. Logo, a tarefa do gestor de rádio se amplia: não basta tocar músicas ou transmitir programas ao vivo; é preciso orquestrar ecossistema – analisar dados de audiência em tempo real, personalizar oferta, adaptar conteúdo para voz, aplicativo, smart speaker, carro conectado. E tudo isso em um ambiente em que o hardware local – muitas vezes caro e lento para atualizar – perde centralidade.
Há, claro, tensões no horizonte. A dependência de nuvem exige conectividade robusta e confiável: em regiões onde a internet ainda oscila ou o custo de link é proibitivo, a vantagem se esgarça. A migração implica também mudança de cultura: operadores de rádio precisam aprender a lidar com plataformas, interfaces web, métricas de dados, licenciamento de cloud e segurança da informação. Há ainda o risco – debatido em painel do IBC – da homogeneização de vozes e programas: se uma estação “genérica” automatizada pode operar com custo mínimo, onde fica o diferencial local, a curadoria e a identidade comunitária do rádio?
No Brasil, isso é especialmente relevante. Em comunidades onde a rádio local é um pilar de comunicação, a adoção de plataforma cloud pode ser alavanca de impacto – mas também exige investimento em treinamento, conectividade e conteúdo relevante. Uma emissora que entende essa transição pode redescobrir seu papel: não apenas “falar na antena”, mas ser hub de convergência entre áudio tradicional, streaming, podcast, plataforma de dados, experiência em aplicativos e voz. O mercado global de soluções de transmissão cresce: estima-se que em 2025 o mercado de broadcasting solutions valerá US$ 10,33 bilhões, com taxa de crescimento de cerca de 9,7% até 2032. Isso significa que o cenário técnico e comercial está pronto para expansão – e quem se mover cedo pode ganhar vantagem competitiva.

Ao final, a crônica se fecha com uma imagem: o técnico de rádio abre seu laptop no sofá de casa, conecta-se à plataforma cloud da estação, gerencia o playout, ajusta o bloco comercial e responde a um alerta de automação que detectou interação elevada no app da emissora. Ele não liga um rack, não sobe em torre, não troca tubos de válvula – sua “sala técnica” cabe em wifi. A antena ainda está lá fora, o microfone ainda capta vozes, o rádio ainda faz companhia. Mas agora pode fazer muito mais – ouvir dados, adaptar ofertas, distribuir para dispositivos, identificar quem está ouvindo onde, e ajustar em tempo real. A transformação não elimina o rádio. Transforma-o. E para quem liga o dial amanhã, a mudança já está no ar.
Fontes
IBC 2025 – “IBC delivers innovation, energy, impact and business outcomes” (IBC press release) IBC 2025 (NEW)+1
Jutel – “What are the benefits of cloud-based radio automation software in 2025” Jutel
Broadcast Radio – Myriad Cloud Radio product overview broadcastradio.com
Coherent Market Insights – Global Broadcasting Solutions Market size and forecast (2025-2032) coherentmarketinsights.com

Você pode ler e ouvir este e outros conteúdos na íntegra no RadioFrequencia, um blog que teve início como uma coluna semanal na newsletter Jornalistas&Cia para tratar sobre temas da rádio e mídia sonora. As entrevistas também podem ser ouvidas em formato de podcast neste link.
(*) Jornalista e professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e do Mackenzie, pesquisador do tema, integra um grupo criado pela Intercom com outros cem professores de várias universidades e regiões do País. Ao longo da carreira, dedicou quase duas décadas ao rádio, em emissoras como CBN, EBC e Globo.

















