A história desta semana é novamente uma colaboração de Francisco Ornellas, que criou e por 22 anos esteve à frente do Curso de Focas do Estadão, hoje diretor Editorial do Diário de Mogi (SP). Celsinho Foi assim: no dia 10 de julho de 1973, uma 3ª.feira, segui minha rotina: sai cedo de casa, nas Perdizes, para ir trabalhar na Redação de O Estado de S. Paulo, na rua Major Quedinho, centro da cidade. O jornal dividia o prédio, na época, com o Hotel Jaraguá, ponto de encontro e hospedagem de personalidades. Eu era um caipira (continuo) deslumbrado (agora nem tanto) com a nova vida que estava a descobrir. Tinha 26 anos, recém-casado, o trabalho dos sonhos e nenhuma preocupação. Havia pouco me mudara para São Paulo; tudo me era novo. Por companheiros de Redação tinha grifes do jornalismo. Um dia, Sábato Magaldi me levava para almoçar no Scoth Bar da rua 24 de Maio; outro, Nilo Scalzo propunha um gim-tônica no Pari Bar da praça Dom José Gaspar; a feijoada de sábado era na Churrascaria São Francisco da rua da Consolação e a despedida de um amigo em vias de se casar, no restaurante Paddock do Conjunto Zarvos, na avenida São Luiz. Chegava-se ao trabalho sem saber como seria o dia; na edição do jornal e na vida. Assim foi 10 de julho de 1973, aquela 3ª.feira. Por volta das 5 da tarde apareceu-nos Celso Leite Ribeiro. Já era um veterano, fora editor de Política e, fazia pouco, ocupava cargo de assistente da Diretoria. Celsinho, como o chamávamos, era um gentleman. Devo a ele inesquecíveis lições de vida, dentre as quais o respeito aos mais jovens ficou para sempre. Não me lembro da circunstância, mas ouvir-lhe a frase “velhice não é doença, juventude não é qualidade” me bastou. Celso aproximou-se de alguns colegas e falou ao ouvido: “O happy hour será às 7 no bar do Jaraguá; fico só até às 8 e saio para o aeroporto”. Meia dúzia de nós foi ao encontro para ouvi-lo falar de seu momento de maior felicidade. Ele embarcaria em Congonhas para ir ter ao Aeroporto do Galeão, de onde seguiria para Paris ao encontro da esposa e filha, que já o esperavam para sua primeira incursão à Europa. Como combinado, ele saiu antes das 8; os outros demoraram pouco mais – alguns voltaram para a Redação, outros para casa. Eu fui para casa pensando nos assuntos que cuidava a esse tempo: a venda do Palácio Pio XII, residência episcopal do bairro da Bela Vista, e a inauguração da primeira linha do metrô. O palácio me rendeu boa interlocução com dom Benedito Ulhoa Vieira, bispo auxiliar que, descobrimos, devia à uma tia minha a graça das mesadas que ela lhe enviava, quando esteve em Roma, para estudos. No metrô não foi diferente: seu presidente, Plínio Assmann, tornou-se uma boa fonte de boas notícias e deliciosas histórias. Foi com esses assuntos em pauta que cheguei à Redação no dia seguinte, aí pelas 10 da manhã. Olhei a pauta, dei uma geral nos jornais do dia e fui ao telefone marcar entrevistas. Desci para almoçar no restaurante do próprio jornal. Era um espaço do 4º andar, ambientado em volta de um jardim e servido por garçons uniformizados. Tinha um belo estrogonofe e o parmegiana era sofrível. Estava terminando, ao lado de outros colegas, quando Zé Anselmo, contínuo da Redação, chegou e avisou: “Oli está chamando vocês”. Entreolhamo-nos cada um com ar de interrogação maior, por qual motivo Oli – Oliveiros Ferreira, editor-chefe – nos convocava? Subimos pela escada, dispensando o elevador. O pessoal já estava à mesa de reuniões do salão nobre. Os aparelhos de telex cuspiam notícias dando conta de que o Boeing 707 da Varig de prefixo PP-VJZ, que cumpria a rota Rio de Janeiro-Paris-Londres, caíra quatro quilômetros antes da pista do Aeroporto de Orly. O acidente teria sido provocado por um incêndio, iniciado em um dos banheiros nos fundos da aeronave, provavelmente por um cigarro aceso jogado no recipiente de lixo. Das 134 pessoas a bordo, 123 morreram. Não pela queda do avião, mas pela fumaça tóxica emanada do incêndio. Em uma manobra considerada magistral, o comandante Gilberto Araújo da Silva pousou o avião em uma plantação de cebolas. Ele e outros 8 tripulantes (havia 17 a bordo) sobreviveram e apenas um dos passageiros (Ricardo Trajano, que vive hoje em Belo Horizonte). Dentre os mortos, personalidades brasileiras, como o cantor Agostinho dos Santos, o senador Felinto Muller, a atriz Regina Léclery; também o jornalista Celso Leite Ribeiro. A aeromoça Elvira Strauss foi uma das dez vítimas entre os tripulantes. Elvira era minha amiga de infância. Obra do destino: o comandante Gilberto voltaria a pilotar algum tempo depois, até que o voo cargueiro que conduzia entre Tóquio e Los Angeles, desaparecesse no Oceano Pacífico dia 30 de janeiro 1979. Era um Boeing da Varig, prefixo PP-VLU. Faz 35 anos, nunca foi encontrado.