Estreou na última edição de Jornalistas&Cia a coluna J&Cia Mercado de Trabalho, assinada por Marcelo Soares, fundador do Lagom Data, que trará mensalmente dados e estatísticas sobre o mercado de trabalho do jornalismo e da comunicação no Brasil (Leia na íntegra aqui). Especializado em jornalismo de dados, Marcelo vai apresentar informações essenciais para entender as transformações do setor ao longo dos anos, incluindo movimentações, crescimento de vagas fora de redações, participação de mulheres e pessoas negras, “pejotização” do trabalho, entre outros. Na coluna de estreia, ele faz uma análise sobre as transformações do mercado formal de trabalho de jornalistas no Brasil nos últimos 30 anos, desde 1995.
Jornalista e professor baseado em São Paulo, Marcelo é especializado em jornalismo de dados e análise de estatísticas. Trabalha desde os anos 1990 com foco em análise de dados, sendo um dos pioneiros da imprensa brasileira no setor. Trabalhou em importantes projetos estatísticos, como o Excelências, um grande banco de dados de perfis de parlamentares, feito a partir da raspagem de dados públicos, que venceu o prêmio Esso de Melhor Contribuição à Imprensa. Na Folha de S.Paulo, foi o primeiro editor de desenvolvimento de audiência da imprensa brasileira, trabalhando com dados da audiência do jornal para melhor entender os leitores. Foi um dos fundadores e o primeiro gerente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
Em 2016, deixou o dia a dia das redações e passou a prestar consultorias e dar cursos sobre análise de audiência e análise de dados. Como professor, lecionou sobre jornalismo de dados em diversas universidades do País. Também deu aulas sobre análise de dados para tradicionais veículos do Brasil. Ganhou diversos prêmios: além do Esso, venceu dois Editora Globo, em Infográfico e Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente; Grande Prêmio Folha de Jornalismo; Grande Prêmio Líbero Badaró; Grande Prêmio José de Alencar CNI de Jornalismo; SIP em Cobertura Multimídia; Wash Media Awards na categoria Água e Energia; e Synapsis FBH em Impresso.
Marcelo conversou com J&Cia sobre a coluna e a importância desses dados para o mercado da comunicação. Leia a íntegra:
Jornalistas&Cia − Fale um pouco sobre como será o seu trabalho na coluna. Que tipo de dados você trará mensalmente no espaço?

Marcelo Soares − A ideia central é esmiuçar os dados de emprego das ocupações de jornalistas e entender tendências por atividade, região e demografia: contratações, demissões, salários e outras. Esses dados do mercado de trabalho têm uma limitação básica: eles se referem apenas ao mercado formal, com carteira assinada, algo cada vez mais raro. Também vou observar outras fontes de dados, sempre nessa mesma linha de tentar entender em que pé está o mercado de trabalho para os jornalistas nestes tempos que vivemos. Não existe lugar melhor para publicar estas análises do que o J&Cia, que sempre foi a melhor fonte para acompanhar as idas e vindas dos profissionais individuais.
J&Cia − Qual a importância dessas informações para o mercado do jornalismo e da comunicação no Brasil?
Marcelo − Os últimos dez, quinze anos foram uma época de rápidas e profundamente estruturais mudanças no mercado de trabalho dos jornalistas. A profissão multiplicou suas especializações e perdeu as trajetórias tradicionais de carreira. Vivemos tempos de “pejotização” e, como já brincou um ex-chefe meu, “uberização” profissional dos jornalistas. Já observo esses dados há bastante tempo, mas aqui vou procurar fazer isso conversando com o público e tentando aprofundar e problematizar a forma como entendemos essas tendências.
J&Cia − Conte como tem sido nos últimos anos o seu histórico de trabalho neste campo de dados sobre o mercado da comunicação. Algum tópico interessante que valha destaque com base em suas observações?
Marcelo − As classificações usadas para fins estatísticos oficiais já não funcionam para descrever, por si, a dinâmica do mercado de trabalho. Além da “pejotização” e informalização, as próprias atividades no jornalismo mudaram rapidamente. Mas, como eu sou um profissional anfíbio, que nada nos dados e corre na investigação, gosto de conhecer as limitações dos dados disponíveis para tentar procurar outras maneiras de qualificar a informação.
J&Cia − Um dos temas do momento certamente é a inteligência artificial e seus impactos em diversas áreas, incluindo o jornalismo e a comunicação. Você falou sobre isso no debate da ESPM sobre Jornalismo Investigativo. Mas, por favor, discorra mais sobre como enxerga o uso dessa tecnologia e como ela afeta (positivamente ou não) o mercado da comunicação.
Marcelo − Um pressuposto fundamental a lembrar quando se trata de tecnologia é a primeira lei de Kransberg: a tecnologia não é por si boa e nem má − e tampouco é neutra. Ela sempre altera o ambiente de acordo com os objetivos de quem a usa. A inteligência artificial generativa facilita demais a agilização de trabalhos auxiliares ao jornalismo, como revisão, geração de sugestões de títulos, extração de nomes citados em textos etc. Ela é uma evolução da lógica, que melhorou a tradução digital, que trabalha fundamentalmente com a forma do texto. Para trabalhar com informação, é preciso checar bem, pois é imprevisível onde vai aparecer um erro.
Acho temerário usar IA generativa para trabalhar com fatos sem checar profundamente o relatório. O certo é que sempre vai aparecer algum erro. Mas a tecnologia também facilita muito a simulação de linguagem para fins enganosos, em escala, e pode facilitar a vida de quem tem mais preocupação com custo do que com a veracidade, o que potencialmente significa cortes de pessoal. Em outras ocupações, como a de programadores, tem sido observada uma situação de alta demanda por profissionais especializados e cada vez menor demanda por iniciantes. Na comunicação pode acontecer a mesma coisa. Mas, se o mercado dos principiantes for muito desidratado, como eles se tornarão profissionais mais experientes daqui a dez anos? No final, tudo depende das decisões que forem tomadas. Elas podem ser boas.
J&Cia − Com base em suas análises do mercado de trabalho desses últimos 30 anos, podemos ficar esperançosos com o futuro ou receosos com o que vem por aí? O saldo é mais positivo, negativo ou neutro?
Marcelo − O cenário que aparece é de queda no mercado mais tradicional. Ao mesmo tempo, existe um crescimento pujante de um mercado semiprofissionalizado que vem se profissionalizando, com ocupações em torno dele. Quem está lendo esta entrevista provavelmente já exerce ou é colega de alguém que exerce uma atividade que não existia quando decidimos entrar na profissão. Esse futuro está sendo construído, e cada tijolo está em nossas mãos.
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