Foi realizado em 14/8 o debate Reputação na Era da Hiperexposição, evento em celebração aos 30 anos deste J&Cia e da Máquina, agência focada em reputação e comunicação corporativa. O encontro, que reuniu especialistas, comunicadores e líderes de redação de todo o País, discutiu os caminhos para se construir uma boa reputação em um mundo pautado pela desinformação e pela ascensão de novas tecnologias, como a inteligência artificial.
Ao abrir o evento, Eduardo Ribeiro, diretor do J&Cia, declarou: “Ao longo dessas três décadas, acompanhamos de perto as transformações do jornalismo, a chegada de novas tecnologias, a evolução das redações e as mudanças nas relações entre imprensa, empresas e públicos. Mudou a forma, mudou a velocidade, mas não mudou a essência:
a credibilidade e a qualidade da informação continuam sendo nosso norte”.
No painel de abertura, Camila Achutti, CEO da Mastertech, falou sobre o uso da IA pelas agências, e em que medida a tecnologia pode ser útil ou prejudicial à reputação da empresa: “Quando falamos de IA, é inevitável ficarmos com um sentimento de receio, algo que na maioria das vezes parece negativo. E devemos nos adaptar a esta tecnologia, da forma mais rápida possível. Porém, acredito que o uso propriamente dito da IA não arranha a reputação. O risco, na verdade, está na falta de transparência, no como, no onde e no quando o uso da IA foi feito”.

“Não há nada de errado em utilizar essa tecnologia. O importante é informar esse uso (e como foi feito esse uso) para as pessoas”, refletiu Camila. “Então, é essencial que as agências se atenham aos seguintes pontos: atualizar sempre os clientes sobre o que fazem e como fazem; utilizar a IA com ética e reponsabilidade; e atuar sempre com transparência”.
A inteligência artificial foi um dos temas que percorreu o debate principal do evento, no qual participaram lideranças de tradicionais veículos da imprensa brasileira: Carla Araújo, editora-chefe do UOL Brasília; Givanildo Menezes, diretor de jornalismo da CNN Brasil; Marcelo Sakati, editor-chefe da Bloomberg Línea; Sérgio Dávila, diretor de redação da Folha de S.Paulo; e Silva Araújo, editora executiva do Broadcast/Agência Estado. A mediação foi de Ricardo Gandour, professor da ESPM e ex-Estadão, Folha de S.Paulo, CBN, Diário de S. Paulo e Editora Globo.
Silvia Araújo declarou que a reputação no jornalismo se refere à credibilidade do trabalho da imprensa, em coberturas e apurações feitas com ética e aliadas aos fatos. Para ela, os jornalistas não podem nunca abrir mão dessa credibilidade: “Nós, enquanto jornalistas, somos prestadores de serviços também e, no caso, informamos. No jornalismo de negócios, por exemplo, temos a ponta de maximizar o valor para a empresa, mas também temos a outra ponta, que se refere ao telespectador, ao leitor, e devemos nos atentar aos fatos. Então, dependendo do setor em que a empresa atua, é isso que vai ditar a reputação dela. A credibilidade, a essência e a reputação do jornalismo são intocáveis”.
A editora do Broadcast/Agência Estado destacou também que a imprensa deve saber ir “além dos releases”, pois muitas vezes, em relatórios enviados aos jornalistas, os números lá destacados não correspondem à realidade, e cabe ao jornalismo saber filtrar o que é importante e reportar o que de fato está acontecendo: “É importante sempre termos isso em mente, quando recebemos releases e relatórios. Como lidar com o envio desses documentos, pensando também na relação empresa/imprensa. Às vezes, os números destacados nem sempre correspondem à realidade, números extremamente positivos não mostram o que de fato está acontecendo”.
Sérgio Dávila vê a inteligência artificial como uma aliada do jornalismo, se bem aplicada e de forma moderada. Ele comentou que, a partir do momento em que começou a se falar sobre inteligência artificial, a Folha de S.Paulo criou um núcleo específico sobre o tema, para analisar e avaliar o seu uso no dia a dia: “Desde a ascensão da tecnologia, criamos um núcleo e analisamos como poderíamos usá-la. Transcrição de entrevistas, legendagem, descrição de vídeos, resumir matérias em tópicos, transformar textos em gráficos. No que ela puder ser usada para ajudar o jornalista a se dedicar ao que ele faz mais de valioso, que é ir atrás de informação exclusiva e fazer reportagens, vamos usar sem medo. Mas nada vai ao ar sem que tenha passado por uma verificação de olhos humanos. Então, mesmo fazendo essas traduções, descrições, com IA, nada vai ao ar sem passar pela verificação e validação humana”.
O diretor de redação da Folha alertou porém para os impactos negativos que o uso excessivo da inteligência artificial pode gerar no jornalismo, principalmente por parte das big techs: “A IA causa uma grande disrupção no nosso negócio, pois com os mecanismos de pesquisa e resultados perdemos muita audiência e cliques, e as pessoas têm acesso aos nossos conteúdos sem que recebamos por isso, sem que tenhamos algum tipo de retorno. Então, é preciso regulamentar isso, impedir que a IA faça com que o jornalismo deixe de ganhar em termos financeiros e de audiência”
Nesse contexto, Marcelo Sakati reiterou a importância do jornalismo manter o seu diferencial e a sua essência, que é a busca pela informação, ética e bem apurada: “Cada vez mais fica evidente a diferença entre influenciadores/produtores de conteúdo e o trabalho dos jornalistas, com ética, imparcialidade e atenção aos fatos. E precisamos garantir a precisão da informação, que é fundamental, mesmo com o uso da IA. Na Bloomberg, usamos a tecnologia para ganho de produtividade, em entrevistas, transcrições, resumos e descrições. Fazemos uso apenas nesses casos, não se pode nunca substituir o raciocínio humano, pois é isso que gera valor”.
O editor-chefe da Bloomberg Línea destacou também a importância de o jornalista trazer em sua bagagem referências e conhecimentos, que serão necessários inclusive para julgar se de fato são interessantes e revelantes os conteúdos de releases e relatórios: “A maneira como o jornalista retrata, como escreve determinada reportagem, deve ser feita com franqueza e transparência. O jornalista deve pensar em várias coisas: o público-alvo, se é interessante, se é confiável e viável, são muitas variáveis. É importante ir além dos branded contents, no sentido de ver o que de fato está acontecendo, e não necessariamente o que a empresa quer passar”.

Givanildo Menezes comentou sobre o uso da IA no dia a dia da CNN Brasil e reiterou que a tecnologia não substitui os trabalhadores, mas sim serve como ajuda em determinadas tarefas mais mecanizadas: “Deixamos claro que a IA não vai substituir jornalistas e sim otimizar nosso tempo. Na CNN, desenvolvemos ferramentas próprias na casa, não podemos usar as open sources por questões de contrato. Mas estamos indo bem, usamos em entrevistas, descrições, transcrições, traduções, a IA tem ajudado muito. A IA não é fonte, não é apurador e muito menos um repórter. Nos ajuda com processo braçal e de certa forma ‘libera’ nossos cérebros para que possamos focar em apurar e correr atrás da informação, e melhorar assim o conteúdo”.
Sobre reputação e credibilidade, o diretor de jornalismo da CNN Brasil afirmou que, para além de construir um bom relacionamento com empresas e leitores/consumidores de notícias, através da transparência, ética e veracidade dos fatos, é muito importante que os veículos se atentem ao que seus próprios funcionários estão publicando nas redes, e se os conteúdos condizem com as crenças da empresa: “Devemos cuidar da reputação dos nossos funcionários, dos nossos repórteres. Se, por exemplo, um determinado jornalista publica coisas na internet que não condizem com os valores do veículo, da emissora, é algo preocupante. É essencial que a gente mantenha esse aspecto no radar também”.
Por fim, Carla Araújo destacou a importância dos relacionamentos na construção da imagem e da reputação de uma empresa, incluindo as jornalísticas, principalmente no jornalismo político, focado na cobertura dos Três Poderes: “A dinâmica de Brasília é baseada nos relacionamentos, então a credibilidade e a reputação são essenciais para que tenhamos acesso a informação de qualidade, checagem e acesso às fontes. Isso é essencial e não tem como substituir. Os governos mudam, políticos e autoridades vão e deixam cargos, e a relação com essas fontes é baseada inteiramente em sua reputação e credibilidade, então é muito importante cultivá-las e preservá-las”
A editora-chefe do UOL em Brasília destacou que as relações devem sempre ser pautadas pela transparência: “A transparência é tudo. A relação com empresa e imprensa deve ser direta e reta. Muitas vezes, recebemos sugestões de pautas que nada têm a ver com nosso trabalho, nossas especializações, nossos públicos-alvo. Então, é importante que os assessores saibam filtrar e enviar as informações certeiras para as pessoas que de fato estarão interessadas nisso. A reputação e o relacionamento vão se construindo assim, sempre, é claro, com muito respeito”.










