Por Assis Ângelo
Glauco Mattoso é autor de uma obra extensíssima e que não para de crescer. Seria o caso até de se dizer que esse genial escriba começou a bagunçar o coreto literário desta parte do mundo desde tenra era. Buliçoso de nascença, Glauco chutou o pau da barraca da censura de plantão e de censuras paralelas sem pestanejar. Sempre disse o que quis e assim continua dizendo o que quer, seja na forma poética ou na forma de prosa. É um nome marcante, na verdade inesquecível. Numa frase? Glauco é da nossa literatura um tsunami ou uma explosão múltipla de vulcões sempre a nos chamar a atenção. E, por que não dizer, a nos ferir com graça, amor e rebeldia.

Não são poucos os especialistas em literatura que já falaram do Glauco aqui em questão. Pedro Ulysses Campos, por exemplo, escreveu o seguinte, no mesmo português arcaico que ele usa: “A poesia de Glauco Mattoso pode ser dividida, chronologica e formalmente, em duas phases distinctas: a primeira seria chamada de PHASE VISUAL, emquanto o poeta practicava um experimentalismo parodico de diversas tendencias contemporaneas, desde o modernismo até o underground, passando, principalmente, pelo
concretismo, o que privilegiava o aspecto graphico do poema; a segunda seria chamada de PHASE CEGA, quando o auctor, ja privado da visão, abbandona os processos artezanaes, taes como o concretismo dactylographico, e passa a compor sonnettos e glosas, onde o rigor da metrica, da rhyma e do rhythmo funcciona como alicerce mnemonico para uma releitura dos velhos themas mattosianos (a fealdade, a sujidade, a maldade, o vicio, o trauma, o estigma), reapproveitando technicas barrocas e concretistas (paronomasia, allitteração, euphonia e
cacophonia dos echos verbaes) de mixtura com o calão e o coloquialismo que sempre characterizaram o estylo hybrido do auctor. A phase visual vae da decada de 1970 até o final dos annos 1980; a phase cega abre-se em 1999, com a publicação dos primeiros livros de sonnettos”.
Agora, meus amigos e amigas, que tal conhecer mais um pouco a respeito desse cabra?
Então, lá vai:
GLAUCO POR GLAUCO
O nome artistico do poeta Glauco Mattoso (que tambem é ficcionista, chronista e philologo) é um dos pseudonymos de Pedro Joseph Ferreira da Sylva (paulistano de 1951) e trocadilha com “glaucomatoso” (portador de glaucoma, doença congenita que lhe accarretou perda progressiva da visão, até a cegueira total em 1995), alem de alludir a Gregorio de Mattos, de quem é herdeiro na satyra politica e na critica de costumes.
Como poeta, GM notabilizou-se por mais de oito mil sonnettos (superando, em nivel canonico, a historica marca do italiano Giuseppe Belli, autor de 2.279 sonnettos no seculo XIX), muitos dos quaes em cyclos narrativos. O maior destes cyclos compõe o romance lyrico RAYMUNDO CURUPYRA, O CAYPORA (2012), que lhe valeu um premio Jaboty; outros cyclos compuzeram
o volume SACCOLA DE FEIRA (2014), que lhe valeu um premio Oceanos.
Como prosador, seus principaes titulos são os romances MANUAL DO PODOLATRA AMADOR (1986, reeditado em 2006), A PLANTA DA DONZELLA (2005, reeditado em 2020, paraphraseando A PATTA DA GAZELLA, de José de Alencar), alem das collectaneas CONTOS HEDIONDOS (2009), TRIPÉ DO TRIPUDIO E OUTROS CONTOS HEDIONDOS (2011) e CONTOS QUANTICOS (2016). Na prosa poetica, seus titulos de destaque são PROMPTOS PONCTOS: CONTOS (2023) e INEXSISTENCIALISMO: ENSAIOS PHILOSOPHICOS (2023).

Como estichologo, publicou um TRACTADO DE VERSIFICAÇÃO (2010); como philologo, organizou um DICCIONARINHO DO PALAVRÃO (inglez/portuguez e vice-versa) e um DICCIONARIO ORTHOGRAPHICO PHONETICO/ETYMOLOGICO para fundamentar sua predilecção pela norma classica da escripta portugueza.
Sua obra comprehende centenas de titulos, quasi todos disponiveis na nuvem em:
https://www.dropbox.com/sh/m8jq3615v16g2zt/AACEKn9GzBQUpQmyutQU6Bnha?dl=0.
Os titulos mais recentes estão gratuitamente disponiveis na nuvem pelo sello Casa de Ferreiro, no Instagram @ed.casadeferreiro.
[2] NOTA BIOGRAPHICA
Appós cursar bibliotheconomia (na Eschola de Sociologia e Politica de São Paulo, bacharelando-se em 1972) e lettras vernaculas (na USP, sem concluir), ainda nos annos 1970 participou, entre os chamados “poetas marginaes”, da resistencia cultural à dictadura militar, epocha em que, residindo temporariamente no Rio, editou o fanzine poetico-pamphletario JORNAL DOBRABIL (trocadilho com o JORNAL DO BRAZIL e com o formato dobravel do folheto satyrico, publicado como livro em 1981 e reeditado em 2001) e começou a collaborar em diversos organs da imprensa alternativa, como LAMPEÃO (tabloide gay) e PASQUIM (tabloide humoristico). Em 1978 participou da fundação do gruppo SOMOS, pioneiro do movimento homosexual organizado no paiz.
Durante a decada de 1980 e o inicio dos annos 1990 continuou militando no periodismo contracultural, desde a HQ (diversos gibis, entre os quaes CHICLETTE COM BANANA, mas não deve ser confundido com o cartunista Glauco Villas Boas) até a musica (revistas SOMTREZ e TOP ROCK), alem de collaborar na grande imprensa (critica litteraria no JORNAL DA TARDE, ensaios na STATUS e na AROUND), e publicou varios volumes de poesia e prosa.
Na decada de 1990, com a perda da visão, abbandonou a creação de cunho graphico (poesia concreta, quadrinhos) para dedicar-se à lettra de musica e à producção phonographica, associado ao sello independente Rotten Records.
Com o advento da internet e da computação sonora, voltou, na virada do seculo, a produzir poesia escripta e textos virtuaes, seja em livros, seja em seu exstincto sitio pessoal, seja em diversas revistas electronicas (como www.cronopios.com.br ou www.blocosonline.com.br) e impressas (CAROS AMIGOS, OUTRACOISA, G MAGAZINE, DISCUTINDO LITTERATURA,
METAPHORA). Jamais deixou, entretanto, de explorar themas polemicos, transgressivos ou politicamente incorrectos (violencia, repugnancia, humilhação, discriminação) que lhe alimentam a reputação de “poeta maldicto” e lhe inscrevem o nome na linhagem dos auctores fescenninos e submundanos, como Bocage, Aretino, Apollinaire, Sade ou Genet.
Em collaboração com o professor Jorge Schwartz (da USP) traduziu a obra inaugural de Jorge Luis Borges, trabalho que lhes valeu um premio Jaboty em 1999. Nesse terreno bilingue GM tem-se dedicado a outros autores latinoamericanos, como Salvador Novo e Severo Sarduy, e tem sido traduzido por collegas argentinos, mexicanos e chilenos.
No cinema, GM foi objecto do documentario “Filme para poeta cego”, de Gustavo Vinagre, que venceu o festival de curtas da 20ª edição do Mix Brazil, em 2012.

Em 2009, GM readopta a orthographia etymologica que practicava nos primeiros poemas e no DOBRABIL: naquella epocha, satyrizava os classicismos canonicos; agora, reage contra os auctoritarismos culturaes, suppostamente reformistas. Seu anachronismo radical fica evidente no titulo da columna no portal “Chronopios”: “Anarchico Archaico”.
Em 2013, é rankeado em 26º logar entre 50 escriptores brazileiros vivos, numa enquete do CORREIO BRAZILIENSE votada por especialistas.
Em 2015, por seu appreço pela “litteratura de bordel” (vertente fescennina da litteratura de chordel), GM é diplomado como membro honorario da ACLAME (Academia Canindeense de Lettras, Artes e Memoria), sediada naquella cidade cearense.
Em 2023, GM é eleito, pela Academia Brazileira de Sonnettistas (ABRASSO), para a cadeira nº 35, cujo patrono é o Lobo da Madragoa (Antonio Lobo de Carvalho).









