Por Álvaro Bufarah (*)
Se o rádio já foi o protagonista das manhãs e o podcast, o rei das tardes contemporâneas, o futuro da indústria sonora agora é conduzido por outro protagonista: a inteligência artificial. O que era antes artesanal e linear − da produção à entrega − agora se torna responsivo, dinâmico e orientado por dados.
Em um artigo que já repercute no setor, Timo Kunz, CEO da AudioStack, sintetiza bem esse momento: “Estamos vivenciando uma mudança de paradigma”. Não se trata de retórica. Trata-se de uma virada histórica na forma como se produz, distribui e consome conteúdo sonoro no mundo.
Na economia da atenção, personalizar é conquistar. O público espera mais do que apenas ouvir: quer se reconhecer na experiência sonora. E a inteligência artificial está permitindo que isso aconteça em escala industrial. Campanhas publicitárias com trilhas customizadas, narrativas adaptadas ao perfil do ouvinte, e conteúdos gerados em tempo real, tudo isso já é realidade em marcas como Spotify, Deezer e até mesmo em rádios brasileiras como a Antena 1 e a Alpha FM, que testam segmentações regionais via automação.

Essas tecnologias vêm revolucionando não apenas o que se ouve, mas como se ouve. A IA permite o envio de mensagens personalizadas por localização, comportamento e histórico de interação − e o impacto vai muito além da eficiência: aumenta a conexão emocional com o conteúdo, fideliza o ouvinte e gera dados valiosos.
Imagine um anúncio de sabão veiculado a mães que estão, naquele momento, em supermercados ouvindo rádio por fones Bluetooth. Ou uma oferta de streaming divulgada apenas para quem consome podcasts de tecnologia em determinada cidade. Isso é áudio programático, uma das fronteiras mais promissoras da publicidade digital.
Segundo o eMarketer (2025), o investimento global nesse segmento ultrapassou US$ 12 bilhões. A proposta é simples e poderosa: unir a emoção do áudio à precisão dos dados. No Brasil, empresas como UOL, Globo e Jovem Pan já operam testes de segmentação por contexto em seus ecossistemas digitais. Espera-se que até 2026 o rádio tradicional incorpore essas funções em caráter híbrido, inclusive com apoio da radiodifusão digital (HD Radio e DAB+).
Com recursos como texto para voz, clonagem de voz, composição musical automatizada e locutores digitais, a criação de conteúdo sonoro deixou de ser um processo moroso. Agora é possível produzir centenas de variações de um mesmo spot em minutos − com sotaques, entonações e trilhas ajustadas por IA. Plataformas como Descript, ElevenLabs, Play.ht e Soundraw AI mostram que a criatividade deixou de ser engessada pela técnica.
A IA é hoje responsável pela produção de jingles, sonoplastias e até narrativas complexas em audiobooks. No rádio jornalístico, robôs como o SONIA (Sistema de Otimização de Notícias com IA), da EBC, já auxiliam na transcrição, edição e agendamento de boletins automáticos, segundo reportagem da Revista de Jornalismo ESPM (2025).
Reduzir custos e aumentar qualidade parece um paradoxo. Mas não no áudio com IA. A automação sonora permite lançar campanhas globais em tempo recorde, com ajustes localizados de sotaque, linguagem e musicalidade, adaptando-se a nichos e contextos em questão de segundos.
Grandes redes de varejo e franquias de alimentação rápida já aplicam essas soluções em seus sistemas de rádio interno. A IA ajusta a trilha e os anúncios com base em horário, clima, fluxo da loja e até tempo de permanência do cliente. Segundo relatório da PwC (2025), empresas que adotaram IA em áudio reportaram até 40% de economia em processos e 25% de aumento na eficácia de suas campanhas.
Mas nem tudo são cifras e eficiência. O uso da IA exige ética, transparência e regulamentação clara. A personalização não pode ultrapassar os limites do consentimento do usuário, e a clonagem de vozes, por mais fascinante, deve respeitar direitos autorais e contratos.

Na Europa, legislações como o AI Act da União Europeia já impõem regras sobre a rotulagem de conteúdos produzidos por IA. No Brasil, o debate avança com o PL nº 2.338/2023 e iniciativas da ANPD, que discutem como proteger dados e assegurar uso responsável de IA na comunicação e publicidade sonora.
A evolução mais futurista vem na forma de agentes de marca por voz, como DJs virtuais, narradores conversacionais ou assistentes sonoros programados para representar a identidade de uma empresa. Eles são mais que chatbots: constroem relacionamentos, oferecem experiências contínuas e incorporam valores e tons de voz das marcas.
Empresas como a Nestlé já testam promotores virtuais em pontos de venda com integração sonora, enquanto plataformas como AudioStack e Veritone criam experiências de storytelling automatizado para marcas premium. Cada campanha torna-se uma narrativa viva, que conversa e se adapta ao usuário.
Em redes de varejo, a IA sonora tornou-se um braço estratégico da experiência omnichannel. O rádio in-store agora é programado por algoritmos que analisam perfil demográfico e ajustam música, chamadas e anúncios com precisão.
Com a IA, promoções-relâmpago são ativadas em tempo real; playlists se adaptam ao público e ao fluxo da loja; e o áudio se integra a displays, aplicativos e mídias sociais, criando um ambiente coeso. O objetivo é um só: construir uma atmosfera sonora que venda, fidelize e emocione.
A inteligência artificial já não é mais coadjuvante − é elemento central da transformação do áudio. Ela não substitui o humano, mas amplia sua potência criativa, estratégica e operacional. A indústria sonora do futuro será híbrida: combinando alma e algoritmo, emoção e automação.
Empresas que compreenderem isso e investirem em capacitação, ética, infraestrutura e criatividade orientada por dados não apenas sobreviverão, mas liderarão. Porque no áudio, como na vida, quem escuta melhor, conecta mais.
Fontes consultadas:
- Kunz, Timo. AudioStack Blog. Acesso em: jun. 2025.
- IAB Europe. AI in Audio Advertising Trends Report, 2025.
- PwC. Global Entertainment & Media Outlook 2025.
- eMarketer. Programmatic Audio Global Report, 2025.
- Revista de Jornalismo ESPM. Sistemas de IA no Rádio Público Brasileiro.
- ANPD. Boletim Especial – Proteção de Dados e Inteligência Artificial no Brasil, 2025.
- Veritone, AudioStack, ElevenLabs – Whitepapers e estudos de caso corporativos.
- Fast Company, Wired, AdAge – Reportagens especiais sobre áudio com IA.

Você pode ler e ouvir este e outros conteúdos na íntegra no RadioFrequencia, um blog que teve início como uma coluna semanal na newsletter Jornalistas&Cia para tratar sobre temas da rádio e mídia sonora. As entrevistas também podem ser ouvidas em formato de podcast neste link.
(*) Jornalista e professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e do Mackenzie, pesquisador do tema, integra um grupo criado pela Intercom com outros cem professores de várias universidades e regiões do País. Ao longo da carreira, dedicou quase duas décadas ao rádio, em emissoras como CBN, EBC e Globo.
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