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quinta-feira, abril 25, 2024

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Roberto Civita e Jornalistas&Cia

Por Eduardo Ribeiro, diretor e editor de Jornalistas&Cia Numa ocasião, de tanto ouvir falar sobre Jornalistas&Cia – que vivia furando o cerco oficial das empresas, inclusive da Abril, para levar informações à comunidade jornalística sobre os bastidores das redações e a movimentação profissional –, quis saber do então diretor da Secretaria Editorial Laurentino Gomes, hoje o consagrado autor de 1808 e 1822, quem era a pessoa que comandava a publicação, que vivia surpreendendo. E chegou a comentar: “Por que não tentamos trazer essa pessoa aqui para a Abril?”. Grande e antigo amigo, Laurentino sabia que o assunto não prosperaria, mas não resistiu em comentar a conversa com RC. Interessante é que o meu primeiro emprego com carteira assinada foi na SAIB – Sociedade Anônima Impressora Brasileira, então o braço gráfico da Abril, no prédio da Marginal Tietê, em 1969,  então com 14 anos. Eu era office-boy e ali permaneci por seis anos, ocupando ao longo desse período outras funções. Saí em 1975 e já em 1976 estava de volta, então para assumir meu primeiro emprego no Jornalismo, como repórter-estagiário da revista TV Guia (que existiu por apenas seis meses), a convite de Luiz Laerte Fontes, e ao lado de Wilson Baroncelli, atual editor-executivo de J&Cia. Ali fiquei, nessa segunda passagem, por um ano e meio, quando decidi partir para outras experiências profissionais, deixando para trás boas recordações. Em 2005, RC recebeu a mim e a Marco Antonio Rossi, meu sócio na Mega Brasil Comunicação, em sua espaçosa sala de reuniões no Edifício Abril das Nações Unidas, quando fomos comunicá-lo de que seria o homenageado daquele ano com o Prêmio Personalidade da Comunicação, o mesmo que no ano anterior havia sido entregue a Ruy Mesquita. Carismático e sempre bem-humorado, mostrou-se feliz com a homenagem, mas não perdeu a oportunidade de uma blague: “Quando começam a se lembrar da gente pelo passado e a nos conferir medalhinhas por isso, é porque já não despertamos mais tanto interesse assim nas mulheres, não é mesmo?”. Numa mesa integrada pelos senadores Renan Calheiros, quando presidiu o Senado pela primeira vez, e Edison Lobão, RC disse, em seu discurso, ao receber o prêmio na noite de 4 de maio de 2005 (reproduzido na edição 1904 da revista Veja, de 11/5/2005): “Além de minha paixão vitalícia pela palavra escrita, todos os que me conhecem sabem da minha pregação sobre o que chamo de indissolúvel interdependência entre a democracia, a imprensa livre e a livre iniciativa. Isso pode parecer óbvio – como acontece com todas as grandes verdades após sua formulação –, mas é absolutamente essencial para entender que a multiplicidade de vozes necessárias para garantir e fortalecer a democracia só pode existir numa sociedade em que a sua liberdade é assegurada, em que a entrada é franqueada a quem quiser e puder se habilitar, em que a concorrência em todas as frentes gera a publicidade, que, por sua vez, fecha o círculo virtuoso ao viabilizar a existência de múltiplos meios de comunicação. “Acredito que haja um outro círculo virtuoso em ação: à medida que elevarmos o nível de nossas publicações, à medida que produzirmos reportagens e matérias mais inteligentes, mais bem pesquisadas, mais claras e mais bem apresentadas, o público passará a gostar e a exigir mais disso, e a valorizar os veículos que o fornecem. “Uma das principais atribuições de um editor é buscar o equilíbrio permanente entre a excelência e a integridade de suas publicações e a saúde econômica e financeira de sua empresa: para mim, as duas coisas não são antagônicas, mas sim complementares. “Sem se tornar chata ou dogmática, e lembrando sempre que uma das suas principais funções é tornar o importante interessante, a imprensa – e os meios de informação em geral – deve ser uma força que ajude a compreender o mundo, construir uma sociedade melhor, defender a comunidade e ajudar os seus leitores, telespectadores, internautas e ouvintes a viver melhor.” Em 19 de julho de 2007, RC voltaria a ter contato direto comigo e, desta vez, com Jornalistas&Cia, ao dar uma longa entrevista para a série Protagonistas da Imprensa Brasileira, que também contou com as presenças do editor-executivo Wilson Baroncelli e do professor, autor e pesquisador Manoel Carlos Chaparro. A íntegra da edição, publicada no dia 26 de julho, pode ser conferida no http://migre.me/eLsIE. Mas reproduzimos a seguir alguns dos trechos mais marcantes da conversa: “A única coisa importante que vou falar hoje, o resto vocês podem descartar (risos), é que ser um editor responsável consiste essencialmente, na minha visão, em saber equilibrar não apenas o curto e o longo prazo, mas os dois lados da equação, que são o conteúdo e o negócio… Sem conseguir esse equilíbrio ao longo dos anos, primeiro, não se tem sucesso e, segundo, não se é um bom editor. É simples assim. “Quando começamos a fazer revistas mais sofisticadas e mais complicadas, tivemos que separar claramente as redações e a parte comercial e erguemos quase um muro chinês, enorme, entre elas. E como isso funciona na essência, há 40 anos ou mais? Blindando as redações contra as pressões dos anunciantes e com independência em relação ao Governo. Não estou falando no Governo Federal, mas nos governos municipais, estaduais e federal. Deus e todo mundo que tem algum poder adora aplauso e odeia crítica. Simples assim. Então, o que é preciso fazer? Nós temos uma posição definida e a mantemos. E se o Governo ficar irritado, lamento. Se o Governo parar de anunciar, pena. “A postura de Veja é basicamente de que a lei deve ser cumprida e que o Brasil precisa acabar com a corrupção em todos os níveis. Estamos atrasando o desenvolvimento do País e sendo extremamente injustos com a população na medida em que permitimos que os governantes cuidem de seus interesses em vez dos interesses da população, e na medida em que se desvia dinheiro de recursos públicos, que são escassos e preciosos, para favorecer seja quem for, e não ao interesse público. “Veja tem uma posição clara, ninguém duvida de como ela se situa. Tem gente que não a suporta e não a tolera, não quer ver nem pintada. A esquerda acha que somos de direita, a direita acha que somos de esquerda, os liberais acham que somos contra, e deve ter as mães carolas que acham que somos antirreligião. Deve haver de tudo entre os que não querem saber da revista. Mas a torcida é de cinco, seis, sete, oito milhões de pessoas por semana. Eles gostam, e a gente faz para eles. “O Diogo Mainardi acrescenta a Veja o extremo da indignação. E ele é lido por isso. A gente precisa ter colunistas como o Diogo. Nós temos o príncipe dos colunistas brasileiros, na minha avaliação, que é o Roberto Pompeu de Toledo, ponderado, elegante, inteligentíssimo, e é sempre um grande prazer ler os quase “ensaios” que escreve. A mesma revista tem Lia Luft, Cláudio Moura Castro, Stephen Kanitz, e tem o Diogo Mainardi, que eu acho ótimo. Eu penso numa revista como um grande buffet, como daquelas churrascarias que têm mesas com dez metros de saladas, queijos, verduras, alcachofras… Ninguém come aquilo tudo. Pegam meia dúzia de coisas e voltam contentes para a mesa. Tem gente que gosta de pimenta. Então, nós lhes damos o Diogo… Ele é o canhão solto no convés de Veja.  “Morro de saudades de Realidade. Eu adorei, foi um dos melhores momentos da minha vida e possivelmente da vida de todos os que estavam na redação naquela época. Mas não dá mais para fazer. Não pelo assunto, mas pela velocidade das coisas. A grande mensal não existe mais no mundo. Não tem! A velocidade do mundo faz com que as semanais estejam com dificuldades. Isso de chegar e abalar as coisas com grandes reportagens acabou. Primeiro, as pessoas não têm mais tempo de ler as grandes reportagens, e nem vontade. Nós medimos onde elas param de ler e ficamos aflitos com isso. Às vezes pensamos: “O melhor do texto está lá no último terço”, só que elas não leem o último terço. Elas largam. Alguém disse uma vez que a coisa mais fácil de um leitor fazer na vida é parar de ler. Então, qual é o desafio para todos nós? É, primeiro, fazer com que ele comece a ler cada matéria, não importa em que meio; segundo, que continue lendo. E que não nos largue, porque se ele disser ‘isso não quero ler, aquilo não quero ler, isso é chato’, não vai comprar a revista por muito tempo e nós não vamos ter revista. Então, Realidade, hoje, venderia no Brasil, com muito esforço, 100 mil exemplares. E a um custo alto. Teria pouca publicidade e uma vida muito difícil, além de um esforço muito grande. Então, não fazemos. Eu adoraria. Sacudia o Brasil, fazia a terra tremer, fez a cabeça de uma geração. “Eu e muita gente estávamos muito preocupados com o que viria com o Lula. E o que descobrimos é que o Lula é um homem de bom senso, equilibrado, moderado, não é ideólogo, é pragmático. O Brasil ganhou na loteria ao eleger Lula, porque era loteria. Poderia ter sido um desastre, poderíamos ter tido um Chávez. E tivemos um Lula, que, na minha opinião, a única coisa que não está fazendo e deveria fazer – e não entendo por que não faz – é promover as reformas. Porque ele tem maioria no Congresso, tem 70% de popularidade, sabe o que está errado e precisa ser consertado, sabe que isso contribuiria para acelerar o desenvolvimento do País. Nós estamos crescendo 4,5% esse ano, mas poderíamos estar crescendo 7 ou 8%, facilmente, só removendo barreiras. E o Governo não faz, não entendo por quê. Aliás, se o presidente um dia me receber será o meu único assunto com ele. Eu queria que ele me explicasse.” [N. da R.: Ricardo Boechat citou trecho dessa entrevista na reportagem do Jornal da Band de 27/5 sobre a morte de Roberto Civita. Confira em http://migre.me/eLybi) Sidnei Basile, que na Abril ocupou a direção de Redação do Grupo Exame, a Diretoria de Secretaria Editorial e, ao final, a Vice-Presidência de Relações Institucionais, revelou que ao menos em uma ocasião Jornalistas&Cia esteve num relatório anual que sua área preparou para RC sobre a imagem da empresa junto a seus stakeholders: foi a íntegra de uma edição em que J&Cia destacava, com a manchete Casa de ferreiro, espeto de ferro, uma bem-sucedida iniciativa da empresa na relação com seus colaboradores. Obcecado com a formação e o aprimoramento profissional, sobretudo com a formação intelectual e humanística dos editores, RC sempre que pôde participou pessoalmente ou deu apoio a iniciativas que tinham como objetivo melhorar o jornalismo e os jornalistas. Em particular, eu, pessoalmente, cheguei a ter duas ou três rápidas conversas com ele sobre a criação no Brasil de um Fórum Permanente de Editores, com o objetivo de pensar e repensar o jornalismo e contribuir para o seu aprimoramento, para a sua relevância, para que cumprisse de forma mais efetiva sua missão social. Mas era tudo para ontem, porque, como ele afirmava, “o País não podia mais esperar; já havia perdido muito tempo com irrelevâncias”. Ao final, ele próprio acabou abraçando uma iniciativa de grande relevância: a criação do IAEJ – Instituto de Altos Estudos em Jornalismo, em 2010, para fomentar projetos e iniciativas educacionais de estudos em jornalismo, sempre em parceria com instituições especializadas e reconhecidas. Desse Instituto nasceu o curso de Pós Graduação em Jornalismo com Ênfase em Direção Editorial da ESPM, coordenado por Eugênio Bucci e cuja terceira turma teve início em março de 2013. Suas longas passadas, ao lado de Maria Antonia, na praia da Baleia (Litoral Norte de São Paulo), comuns nas férias de verão e feriados prolongados, muitas vezes interrompidas por encontros com amigos ou admiradores, são agora coisa do passado e das lembranças.

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