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quinta-feira, março 28, 2024

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Memórias da Redação ? Meu amigo Fausto Canova

A história desta semana é uma colaboração de Sandro Villar ([email protected]), correspondente do Estadão em Presidente Prudente. Meu amigo Fausto Canova Não me lembro de ter conhecido alguém tão divertido e bem-humorado como Fausto Canova, um dos cinco melhores apresentadores do rádio e que foi embora deste insensato mundo no início de 2009. Era só alegria um encontro com ele. Não tinha tempo ruim pro Canova. Ele gostava de brincar com certos nomes próprios, que achava engraçados. Sempre que encontrava um amigo ia logo dizendo: ?Você está louco, Leopoldo!?. Para ele, todo mundo era Leopoldo, mesmo que o sujeito se chamasse Luiz Inácio Lula da Silva ou Barack Obama. Anacleto era outro nome que ele achava engraçado. Até do meu nome ele tirava sarro. ?Sandro Villar é nome de cantor de bolero?, brincava. Por falar em bolero, uma vez ele me pegou pelo braço e me levou à discoteca da Rádio Cultura, onde trabalhávamos, e botou na vitrola (ainda não havia DVD nem CD) um disco do cantor chileno Lucho Gatica. A canção era Farolito, bela valsa do compositor Agustín Lara, autor de Granada e do clássico bolero Solamente una vez. Aliás, Agustín era um tremendo mulherengo, não podia ver rabo de saia. Ele tinha uma cicatriz no rosto, resultado de uma navalhada dada por uma prostituta. Ao ouvir Farolito comigo, Canova deu a entender que lamentava o fato de o rádio não tocar uma música tão bonita. Na mesma Rádio Cultura tive o privilégio de ser entrevistado por ele. Além da Cultura, trabalhamos na Rádio Piratininga, no tempo em que Hélio Ribeiro era o diretor artístico (fim dos anos 60), cargo hoje completamente desmoralizado no rádio. Uma vez falávamos sobre os hinos em geral e quis saber dele o nome do hino da Marinha americana, que faz parte da trilha sonora de vários filmes, incluindo Marujos do Amor, com Frank Sinatra e Gene Kelly. Eu não sabia, os demais amigos também não, mas o Canova sabia. Ele pensou um pouco, levantou o braço e emendou: É Anchors aweigh!. Nada como ter amigos cultos. Certos ?apresentadores? debiloides contemporâneos não saberiam responder, e tenho certeza que eles não conhecem sequer o Cisne Branco, o hino da Marinha brasileira. Fausto Canova sabia tudo de jazz e de bossa nova. O pouco que sei de jazz aprendi com ele, que também era ótimo crítico musical e seus textos, em contracapas de antigos LPs, comprovam o que afirmo. Natural de Marília, uma vez perguntei a ele se havia fãs de jazz na sua cidade natal. ?Acho que tem uns dois?, brincou. Nos tempos da Rádio Piratininga, noite sim e noite também sim, eu ia com ele ao restaurante Papai na rua Aurora, onde ficávamos até 5 da matina conversando sobre quase tudo. Na nossa mesa sentavam o ator Elias Gleiser, o saudoso comentarista esportivo Mauro Pinheiro, que atuava na Rádio Bandeirantes, o jornalista Lencioni Filho, tremendo gozador, e o Libório, que também era da Bandeirantes. Bebíamos pouco, o Canova não tomava bebida alcoólica. Ele e Lencioni formavam uma dupla engraçada, que ironizava meio mundo. Cantores brega e apresentadores que falavam abobrinhas e outros legumes eram o alvo favorito da dupla. ?Você ouviu aquele cara? Mau, hein??, dizia o Lencioni. Quando não falava isso, dizia ?Péssimo, hein?? Eles se revezavam nas perguntas. A passagem dele pela Jovem Pan, no comando do Show da Manhã, foi brilhante. Não me lembro bem, mas acho que o Canova substituiu o saudoso Kalil Filho, ótimo radialista e jornalista. Um dos destaques do programa era o quadro Humor do Millôr. Hoje o que se ouve por aí é o Humor do Horror. A voz do Fausto Canova era belíssima. Dizem que era parecida com a voz de um locutor chamado Saint Clair Lopes, da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Depois, trabalhou na Rádio Bandeirantes, onde também foi bem-sucedido, o mesmo acontecendo na Rádio Cultura, a última emissora em que mostrou seu talento. Canova também foi apresentador de um programa de jazz na TV Cultura. Por falar na Rádio e TV Cultura, não posso deixar de mencionar que no estacionamento externo das emissoras um crioulinho humilde e simpático, apelidado de Pudim, lavava os carros dos funcionários. Ele era dentuço igual ao Fio Maravilha, ex-jogador do Flamengo. Há ponta de dente proeminente que parece ficar à mostra quando o sujeito dentuço fecha a boca. Canova percebeu isso e não perdeu a piada: ?O Pudim fechou o piano e deixou o teclado de fora?. A turma que ouviu a brincadeira no bar do Aníbal quase morreu de rir. Apesar de brincalhão e gozador, ele levava as coisas a sério, a começar por sua carreira de radialista e jornalista. Ainda menino começou a trabalhar, o que lhe deu o direito de se aposentar aos 38 anos de idade. Mesmo aposentado, continuou trabalhando para sobreviver. Em meados de 2008 bateu saudade e liguei para ele. A conversa foi ótima, mas percebi que a sua voz, antes lindíssima, estava fraca e distorcida. Ainda assim Canova mostrou a eloquência de sempre com humor, pois era um humorista nato. Fez rasgados elogios à Nova Zelândia, afirmando que ?lá não tem ladrão?. Também esculhambou os irlandeses, tachando-os de ?encrenqueiros?. Como nenhum irlandês deve ler esta crônica, não vejo problema algum em citar essa observação. Fausto Canova foi um profissional de comunicação que engrandeceu o rádio AM, hoje, em grande parte, transformado em igreja eletrônica. Talvez seja para justificar a máxima de que templo é dinheiro. Ou a propaganda da alma é o melhor negócio.

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