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quinta-feira, abril 25, 2024

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Memórias da Redação ? Durezas da vida de repórter

A história desta semana é mais uma vez colaboração de Milton Saldanha ([email protected]), que edita o jornal mensal Dance, dedicado à dança de salão, e mantém um blog de crônicas sobre assuntos variados. Durezas da vida de repórter Tudo que é muito fácil não tem graça. O fascínio de ser repórter vem em grande parte disso: vencer desafios. Fazendo uma analogia, é como dançar tango. É difícil pra caramba, a gente leva uns dez anos até pegar o jeito da dança. Se aprendesse em uma semana não teria graça, todo mundo faz. A diferença é que ser repórter é algo que a gente passa a vida aprendendo. E mesmo assim pode quebrar a cara, é normal. Além disso, muitas vezes tem que contar também com a sorte. A simpatia, ou antipatia, que despertar em alguém pode ajudar ou atrapalhar em seu trabalho. Pode mudar tudo. Um simples porteiro, ou guardinha, de repente vira um obstáculo intransponível. Ou uma porta literalmente aberta… Corria o ano de 1977, final de tarde com garoa, a edição do Estadão entrando em fechamento – o horário, fechar cedo, tinha virado uma obsessão no jornal, por causa do novo sistema de impressão recém-implantado e recebendo ajustes –, e eis que acontece um tremendo engavetamento na Via Anchieta, mais de cem carros, no nevoeiro. Avisei a produção da matriz, como a gente chamava a sede, em São Paulo (eu estava na sucursal do ABC), catei meu Fusca e me mandei em alta velocidade para a rodovia. Eram 18h, a ordem era colocar a matéria até 19h30… Dá para imaginar a loucura de trabalhar assim. Quando entro na cabeceira da estrada, já está tudo congestionado. De repente encosta outro Fusca ao meu lado, carrinho branco e preto, da Policia Civil, só o motorista. Pelo jeito ele não tinha nenhuma pressa. Estiquei a cabeça para fora e, quase aos berros, para que me ouvisse, expliquei meu drama. Sua reação foi rápida: “Cola na viatura e me segue!” Ligou a sirene, pisca-pisca, também liguei meu pisca-alerta, e lá fomos nós, abrindo caminho naquele mar de carros, em pleno nevoeiro, o maior perigo. A pressão do trabalho e a adrenalina são de tal forma intensas que você perde a noção dos seus próprios riscos. É tudo pela matéria, uma paranoia. E se levasse alguma multa era o de menos, só cobrar depois do jornal. Assim, com a ajuda do policial, cheguei rápido ao engavetamento. Aí outro problema: onde largar meu carro naquela confusão, para ir colher as informações. Na nossa sucursal não tínhamos motorista, nessas horas era um problema. E nenhum taxista, que era sempre nossa alternativa, iria topar ir para aquele inferno, numa hora daquelas. Muito menos fazendo as loucuras que fiz. Mas eu tinha uma plaqueta de identificação de “Reportagem”, com o logo do jornal, no parabrisas. Graças a ela os rodoviários me deixaram encostar sobre um canteiro. Desci, peguei informações com eles, apurei nomes e situação das vítimas, entrevistei alguns motoristas envolvidos, etc. E passei a matéria de um orelhão, sob garoa, redigindo oralmente, na marra, para os rapazes que o jornal mantinha na sede só para receber matérias por telefone. Óbvio, ainda não existiam esses confortos de hoje, como celulares, internet, computadores, nada disso. Era tudo na velha máquina de escrever. E no telefone convencional. O máximo em tecnologia era uma pequena tralha chamada BIP, que carregávamos num pequeno coldre pendurado à cintura. Tínhamos que ligar numa central, dar o código do destinatário e ditar o recado. Que por sua vez, ao ouvir seu BIP, ligava na mesma central para pegar o recado… Foi assim que acionei nosso fotógrafo, Clóvis Cranchi Sobrinho, antes de sair da nossa minúscula redação em Santo André. Ele foi direto de onde estava para a Anchieta e depois para São Paulo, levando o filme.  Às 19:30, pontualmente, a matéria estava na redação. E manchete do dia seguinte, com foto.

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