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quinta-feira, março 28, 2024

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Apelido fatídico

Por Ubirajara (Moreira da Silva) Júnior

 

Esta “memória” é de um tempo antes que eu chegasse oficialmente às redações. Corria o Ano da Graça de 1972, do milênio passado, e ainda passava pelo ciclo básico do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais.

À época, a instituição era apontada como uma das melhores na formação de jornalistas, forjando profissionais do naipe de Carlos Alberto Luppi, Pedro Paulo Taucci, Eustáquio de Freitas, Luiz Egypto, só para citar alguns.

Pela reputação do curso, a universidade era convidada todo ano a apresentar trabalhos acadêmicos na Semana de Jornalismo promovida pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP).

Mesmo ainda engatinhando no curso, fui integrado ao grupo que a reitoria autorizou fosse dispensado para viajar e participar do evento. Também estava na galera um uruguaio, estudante matriculado no curso com bolsa de intercâmbio internacional. Perez Scorbachot só era chamado de Tupamaro (**), pois naquele período plúmbeo da política da América Latina não poderia ter apelido mais adequado.

Embora o clima acadêmico fosse dos mais carrancudos e a universidade frequentada por “alunos” muito estranhos, com cabelos cortados no estilo Príncipe Danilo, quando imperavam as cabeleiras hippies, o apelido Tupamaro passava praticamente despercebido no campus.

Faltando dois dias para o encerramento da Semana, um grupo de uns doze estudantes resolveu ir ao centro da cidade para um passeio noturno e uma pizza no famoso bairro do Bexiga.

Por conhecer a cidade como a palma da mão, pois era o único paulista do grupo, fiquei encarregado de organizar a retirada do pessoal da Cidade Universitária. Levei todos até um ponto de ônibus da avenida Afrânio Peixoto, no trecho entre a Praça Reinaldo Porchat e a rua Alvarenga, quase na frente da Academia de Polícia Civil. Inquietos com demora da condução alguns começaram a se afastar do grupo explorando as redondezas.

Quando vi a aproximação de um ônibus cujo itinerário nos era favorável avisei os colegas. Para alertar os que estavam mais afastados alguém resolveu reforçar os pulmões e gritou com vigor: corre Tupamaro!.

Como num passe de mágica fomos cercados pelo pipoqueiro, pelo mendigo, pelo jornaleiro, pelo vendedor ambulante, pelos garis, todos agentes policiais disfarçados que estavam pelo local e em cujas mãos surgiram metralhadoras e revólveres como que acionados por uma varinha de condão.

Gastamos várias horas cercados e explicado que Tupamaro era apenas o apelido do colega uruguaio, que éramos estudantes universitários participando do evento da USP conforme atestavam os documentos e comprovantes apresentados.

Não fomos passear no Dops nem na Oban, mas só nos liberaram depois de termos respondido um monte das mesmas perguntas para dois delegados chamados ao local e que, possivelmente, já haviam visto vários de nós circulado pelas conferências, mesas-redondas e palestras da Semana.

Mesmo ainda com fome, ninguém se dispôs a seguir até o Bexiga, pois qualquer pizza, por melhor que fosse preparada, seria mais um prato indigesto.

(*) Movimento de Liberação Nacional – Tupamaros (MLN-T), ou simplesmente Tupamaros, foi um grupo marxista-leninista uruguaio de guerrilha urbana que operou nas décadas de 1960 e 1970, antes e durante a ditadura civil-militar no Uruguai (1973-1985). O nome deriva da expressão pejorativa dos espanhóis, quando da dominação da Coroa Espanhola, para os seus insurgentes, ou mais provavelmente provém de Tupac Amaru I, cujo nome e história inspiraram o movimento revolucionário Tupamaro.

 

Ubirajara (Moreira da Silva) Júnior ([email protected]) teve passagens por Folha de S.Paulo, Diário Popular, TV Globo, SBT, TV e Rádio Gazeta, Assessoria de Comunicação da Autolatina e Secretaria de Esportes e Turismo de São Paulo; também foi professor da Universidade Braz Cubas, em Mogi das Cruzes. Atua no jornalismo científico em Brasília há quase 20 anos, e até 2016 foi coordenador de Comunicação Social da Agência Espacial Brasileira (AEB).

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